A Corte do Ar - Stephen Hunt




Muito estranho. Esta é a impressão inicial deste resenhista, ao começar a ler A Corte do Ar (Editora Saída de Emergência Brasil, 544 pág, 2013). Ficção científica, para mim, significa uma quantidade de informações que devem ser passadas para o leitor, de tal forma que ele adentre uma realidade futurística, ou ao menos cientificamente diferente do que temos no mundo quotidiano. Há uma massa de informação tecnológica que deve ser passada, e isso pressupõe, na maioria das vezes, a utilização de uma linguagem excessivamente explicativa, como se fosse retirada de verbetes de uma enciclopédia de ciências. O tesão do escritor de FC parece ser explicar o funcionamento da nave, do sistema físico que faz funcionar a dobra dimensional, ou a natureza dos implantes usados pelo Estado distópico, que mudam as pessoas. Tirando essa roupagem, a FC esconde por baixo o verdadeiro teor da história: drama, mistério, fantasia etc. Desculpem o simplismo desse não-fã de FC, mas, assim exporto, FC é só estética. Será?

Bom, e se esse “expliquismo” não acontecer? E se o escritor não tiver nem aí se você vai entender o que é um aerostato, ou um motor de expansão, ou o que são os assobiadores, ou qual é a ideologia dos carlistas? E se o autor for usando essas bizarrices o tempo todo, compondo frase após frase, como se a prolixidade fosse a coisa mais natural do mundo, e deixar o leitor boiando não fosse mero acaso, mas sua principal intenção? Aí as coisas ficarão por elas mesmas e você se sentirá um peixe-fora-d’água.

“Tudo bem, eu te dou um glossário no final do livro, para você ir seguindo!” Meu velho... Na boa, glossário não rola. Parar a narrativa para ir lá atrás do livro ver o que significa lupocaptor, ou cartola, ou celga e ervasussurrante, é um tiro no pé. Mesmo porquê, o que temos no glossário de A Corte do Ar é falho, e você continuará confuso, pois há um quê de má tradução, ou de editoração descuidada (nem sei se descuidada é o termo certo... Parece que o próprio revisor não entendeu o que muitas das frases queriam dizer, como eu), ou de períodos longos demais, sem pontuação precisa, ou ordem inversa das frases... enfim.

E como um peixe eu fui, nadando a esmo, nesse texto que parece ter sido escrito por um doidão chapado. Stephen Hunt vai introduzindo a personagem Molly Templar, falando de como ela é uma mocinha órfã criada pelo sistema de um mundo movido a engrenagens de bronze, com dirigíveis singrando os céus e seres movidos à vapor, circulando de um lado para o outro. Não vou usar o termo “robô” pois ele nunca aparece no texto, e embora existam, esses seres possuem consciência, livre-arbítrio, alma e fé! Já Molly é explorada como mão de obra barata, tendo que fazer serviços degradantes aqui e ali, como todas as garotas da instituição assistencial Portas do Sol. Um nome singelo para uma casa sinistra, onde seu gestor lucra com a mão-de-obra barata, advinda da exploração das jovens.

Os nomes escolhidos pelo autor, para objetos, tipos humanos, instituições, acontecimentos históricos, lugares geográficos etc., às vezes traduzidos, às vezes não (por decisão editorial), são geralmente MUITO ruins. Mas é possível perceber que isso é proposital, por alguma razão. Hunt opta por nos meter num mundo em que o estranhamento parece ser a principal atração. Fica tudo escuro, na maioria das vezes só subentendido, no campo metafórico, intuído. E os nomes são os termos mais escalafobéticos que você possa imaginar, dando apenas algum sentido relativo à sua função na trama, ou tendo um sentido absolutamente indecifrável, mesmo. A Corte do Ar é difícil de ler. Não é um livro indicado para jovens leitores.

Aliás, o autor diz, numa entrevista dada no início do livro (num excelente trabalho da Editora Saída de Emergência Brasil, além da capa muito caprichada), que a intenção dele era escrever um livro de fantasia. Uma fantasia que fugisse do medieval clássico, como estamos acostumados, mas ainda assim uma fantasia. Então, podemos considerar que o que temos nesse livro, descola-se muito da tradicional ficção científica, com algumas ideias muito porra-loucas, mesmo. Dá a impressão que Stephen Hunt usa de algum fluxo de consciência na sua escrita, pois as palavras vão se encadeando, evoluindo e se ligando, sem que se atenham realmente à coesão ou coerência, inerentes à escrita tradicional.

E por isso temos magia misturada a essa tecnologia inusitada de homens-vapor e portos imensos, abarrotados de dirigíveis, bombas barbatanas e aerostatos movido a motores de expansão, além de esquisitices como um povo caranguejo, só para ficar num exemplo. Há uma divisão/ confusão política totalmente diferente, que lembra uma época próxima aos idos do Século XX, por aí, com um atrito imenso de ordem política que opõe monarquistas, comunitistas (comunistas) e puristas. Há coalisões de Estados e hostilidades entre elas, advindas de guerras passadas que ainda não cicatrizaram. Há a fé Circulista se opondo ao Caotyl Selvagem, numa inusitada coleção de palavras que se mostram inglesas e outras de pura influência inca/ asteca/ maia. Há organizações criminosas, guildas comerciais e confrarias sinistras que agem contra ou a favor do sistema.

Se você já estava confuso, relaxa e goza, porquê só dá para ir adiante se você se deixar levar. E por aí vamos conhecendo Oliver Brooks, um jovem cuja vida pregressa parece tê-lo jogado além das fronteiras de Chacália (sim, nome horrível, né!), dentro de Brumencantada, onde mutações físicas e mentais afetam irreversivelmente aos seres humanos. Surpreendentemente, é resgatado depois de dois anos, ileso (pelo menos é nisso que ele quer que as pessoas acreditem). Os cantores do mundo (também não sei o que são eles, talvez sejam magos), estão no pé do rapaz, querendo que ele se torne um Guardião, mas Oliver se recusa a usar uma coleira de Gideon (heim?), como o Capitão Faísca (hahaha..., não estou brincando, há um personagem com esse nome, mesmo!).

Começamos quando um atentado mata inúmeras pessoas no bordel onde Molly está sendo treinada para ser puta; o tio de Oliver, cujos negócios o sobrinho nunca soube direito o que eram, é também assassinado. Molly, desesperada e sem saber o que está acontecendo, tem então que correr por sua vida, e Oliver, cujas provas forjadas acusam-no injustamente, é resgatado por Harry Stave, um homem sinistro que foi muito amigo de seu tio. Molly tem que sumir dentro dos subterrâneos, auxiliada por um homem-vapor chamado Rodas Lentas, e Oliver passa a ser protegido pela organização secreta ilegal, da qual Harry faz parte, conhecida como Corte do Ar.

Durante o livro todo, não entendi se a Corte é amiga ou inimiga, mas vamos lá... Basicamente há uma conspiração política correndo no submundo, onde o fanático Tzlayloc quer conseguir o poder para os igualitaristas. Essa ideologia amalucada mistura comunismo e fé exacerbada, e as histórias de Molly e Oliver vão correndo em paralelo e só se juntam lá adiante, quando os dois personagens, de alguma forma, viram super-heróis, reagindo ao vilão com poderes mentais ou pistolas etéreas que vieram não se sabe de onde.

E só então que notamos que o autor está nos contando uma boa história, com sua linguagem new weird, toda própria, que vai diminuindo gradativamente o estranhamento inicial (ou então, já estamos tão anestesiados que não ligamos mais...). Parece que ele queria que ficássemos realmente confusos, que esse era o sentido de toda aquela informação e nomes ruins desconexos. Sim, havia uma razão. Nesse momento, Stephen Hunt já nos tem na palma da mão e estamos fugindo com Molly, após retirar a mocinha de sua zona de conforto (se é que se pode chamar assim sua sobrevivência patética sob as vicissitudes do sistema), e Oliver, que não se lembra de nada referente ao tempo em que passou além de Brumencantada, mas trouxe de lá poderes mentais assustadores (pode conversar com “fantasmas” e otras cositas más).

A história fica até mais absorvente no final, quando a guerra finalmente começa, mas a ambientação continua (para variar) bem ruim, devido ao excesso de elementos totalmente alheios à realidade que conhecemos. A fantasia, essencialmente, precisa de subsídios fantásticos para se fazer acontecer, mas esses elementos, quando em excesso, prejudicam a fluência da história e passam até a jogar contra a imersão do leitor. A fantasia de Hunt se faz às custas de muitas e muitas ideias que tem que ser explicadas, e não são. Apenas intuímos as coisas e, portanto, não podemos“visualiza-las”. O excesso de estética compromete a história, deixando-a lenta e, às vezes, incompreensível.

É um tal de ter que parar para pensar o que Hunt está querendo dizer, ou se esforçar para somente adivinhar, que dá nos nervos. Frustração pura. Você acha que as coisas vão melhorar lá pela página 100, mas então os neologismos e as esquisitices continuam pipocando aqui e ali, e Hunt, com a cabeça cheia da fumaça de seu cigarrinho de ervasussurrante, continua dificultando a leitura. E isso não muda nas páginas 200, 300 e 400... Veja só o que encontro na página 436, por exemplo:
“Os sacerdotes traçaram alguns sigilos no vidro de ativação e os uivos de Alpheus passaram a encher apenas a galeria subterrânea.”
Se você acha que eu, por ter lido o livro até o fim, sei o que é “sigilo” e “vidro de ativação”, está redondamente enganado. Essas coisas aparecem assim, do nada. É claro que, como com tudo mais até aqui, posso supor o que sejam esses termos. Concluindo, “expliquismo” é ruim, mas, porra!

Isso deveria vir então aos poucos, capítulo a capítulo; um pouquinho aqui, um tiquinho mais para adiante, mas não acontece nunca. Cá para nós, parece que o autor está tirando um grande sarro na cara do leitor. Temos um mundo totalmente novo, uma boa história e um estilo escroto de contá-la. Quem reclama do convencional, da mesmice e do pastiche, tem um prato cheio. Mas digamos que este leitor aqui começa a achar que um pouco mais de caretice funcionaria melhor. Altamente indicado se você curte mascar foolha ou é viciado em cafél.















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