[Websérie Literária] - A Estrela do Tempo - Anderson Shon Capítulo 6



Capítulo 6 – As outras seis vidas



25/10

- Você não poderá demorar muito, Joseph, a Lari vem aqui e eu planejei tudo perfeitamente na minha mente. – Entrei no quarto do Morcego imaginando uma forma futura de consolá-lo. Lembrava exatamente desse dia, ele estava cravado na lápide do gato Baseado (25/10 às 19:24 o gato mais amado do mundo nos deixou). Todo ano íamos ao cemitério de animais, rezávamos ao som de Ramones (isso mesmo, Pet Sematary) e contávamos histórias repetidas sobre as tranquinagens do pobre Baseado. A família do Morcego também ia, cobria a lápide de choro e dizia palavras bonitas sobre como o céu pode ser reconfortante. Suas últimas palavras também estavam cravadas lá (mi...mi...miaau). Eram 16:00 horas, eu tinha que ficar junto de Morcego, pois conseguia me lembrar perfeitamente de como ele precisou de um ombro amigo após a morte de seu querido gato. Acabou, erroneamente, culpando Lari pela morte, os dois estavam juntos quando o maldito caminhão fez de Baseado um patê. Eles terminaram o namoro naquele e nunca mais se falaram.

16:04

Morcego começou a arrumar o seu quarto, eu o ajudei retirando todas as tranqueiras que estavam no meio do caminho. Tirava da cama e jogava dentro do bagunçado guarda-roupa. Precisava de uma boa desculpa que convencesse Morcego de que eu deveria estar aqui mesmo com a eminência da chegada de Lari. É quase impossível um jovem apaixonado compreender que a presença do amigo é mais importante do que a da namorada.

- Por que não criamos um sistema de arrumação para esse guarda-roupa? – Era a parte da qual fiquei responsável.

- Porque não somos diaristas ganhando por produtividade.

- Como você é engraçado. – Olhei para aquele amonotoado de roupas desorganizadas e tive que tomar uma atitude... é bem verdade que precisava ganhar tempo, mas continuar vendo aquela selva de camisas e bermudas estava me incomodando bastante.

- Desculpa, Morcego, não posso deixar você viver nessa bagunça. – Comecei a tirar as roupas de dentro do guarda-roupa e joguei-as em cima da cama. Morcego, furioso, pulou na minha direção para tentar me impedir. Infeliz alternativa, nos desequilibramos e caímos dentro do guarda-roupa, bagunçando-o ainda mais.

- Você é idiota, Joseph? Está maluco?!?

- Eu só queria ajudar. – Por linhas tortas, é bem verdade.

16:39

Estávamos parados organizando toda aquela zona. Morcego acatou o conselho e me deixou criar um esquema de arrumação que o ajudasse em qualquer busca futura. As cores estavam ordenadas das cores quentes às cores frias. Camisas sociais, casacos e afins estavam em outra parte, assim como calças e bermudas.

- Se a Lari chegar e nós ainda tivermos aqui, você será um cara morto.

- Deixe de onda, eu sei que você está gostando do seu novo guarda-roupa.

- Cala a boca, Joseph.

17:50

- Acabamos! – Era uma obra prima, a exclamação de Morcego poderia ser uma prova disso, mas estava muito mais associada com a ideia de que eu já poderia ir pra casa.

- Uau! – A mãe de Morcego entrou no quarto trazendo lanches para nós dois. – Ótimo trabalho, rapazes, merecem uma recompensa. – Ela colocou o lanche em cima da mesinha. Eu realmente estava com fome, mas o que mais me preocupava era a falta de algo que me fizesse ganhar um pouco mais de tempo.

- O sanduiche é de quê? – Morcego perguntou enquanto eu, sem ligar muito para isso, fui pegar um pedaço do meu.

- É uma patê de espinafre e um suco de cacau que está...

- Eita... que desastre. – “Acidentalmente”, parte do copo de suco caiu na minha roupa. – Como sou desastrado.

- Calma, Joseph, não foi nada demais. – A mãe dele tentou aliviar a situação. – Thiago, pegue uma roupa, nessa sua nova arrumação, e empreste para o Joseph.

- Ele pode arranjar uma em casa.

- Não seja mal educado, Thiago. – Ela mesmo foi até o guarda-roupa e pegou. – Vá tomar um banho, Joseph, não ligue para ele, você sabe onde é o banheiro, né?

18:24

Foi o banho mais demorado da minha vida. A mãe do Morcego já veio me perguntar duas vezes se tudo estava bem, espero que ela não esteja me interpretando mal. Saí do banheiro e dei de cara com Lari.

- Oi Joseph. – Ela me deu um abraço carinhoso.

- Ele já está de saída. – Morcego se levantou e veio até mim.

- Vou ter que atrapalhar vocês. – Me esquivei dele. – Acabei de perceber que esqueci a minha chave em casa.

- Sua mãe deve estar lá.

- Não está, liguei pra ela, só mais tarde.

- Então tome essa grana. – Morcego abriu a carteira e me deu uma nota de cinco. – Vai no fliperama, deve ter algum jogo lá que você curte.

- Você sabe que eu odeio pegar dinheiro emprestado.

- Então não precisa me pagar.

- Deixem de bobeira. – Lari resolveu se meter. – O Joseph pode ficar com a gente, quanto mais melhor.

- É...é... – Morcego me olhava com cara de raiva. – Quanto mais melhor...

19:14

Passamos a maior parte do tempo tentando ligar para Anna, mas não atendia. Acho que o mau pressentimento ainda não passou e ela optou por ficar incomunicável mesmo. Nós três conversamos sobre esportes que nunca praticaríamos (o meu foi luta greco-romana, jamais usaria roupas coladas e ficaria em posições constrangedoras, ou um, ou outro), sobre os desenhos animados que tornaram nosso passado algo melhor (Via um primo mais velho falando de um tal de Bucky, aí eu sempre contava como se eu que tivesse assistido) e também discutimos, com mais veemencia, sobre como países começados com A tendem a ter paisagens incríveis. Faltavam dez minutos para a morte do Baseado e tudo estava indo “perfeitamente” normal até que algo aconteceu.

- Olha seu gatinho! – Baseado ia entrando lentamente pelo quarto. Lari o pegou no colo, ele não pareceu gostar, muito menos Morcego.

- Não, não, já temos pessoas demais por aqui. – Aquilo era pra mim?

- Tadinho dele. – Baseado já se distanciava enquanto eu fingia não ter ouvido o último comentário.

- Ele tem sete vidas, não ligará de ser ignorado nessa, ainda há mais seis vidas para ser amado. – Aquelas palavras mudaram tudo. Tinha nas mãos a possibilidade de salvar uma vida, mesmo que de um animal, era uma vida preciosa. Estava agindo como se minha mente não funcionasse, meu egoísmo era tamanho que a morte do Baseado soava como algo que tinha que acontecer. Como assim??? Não mesmo!!! Ser o ombro amigo de consolo não me fará o herói da noite. Precisava salvar Baseado, precisava vê-lo viver. Isso era o que meu coração falava, me obriguei a obedecer.

- Com licença, vocês precisam de um pouco de privacidade. – Corri em direção ao animal. Ouvi um “finalmente” sair entre os dentes de Morcego. Se eu estivesse no seu lugar, falaria a mesma coisa. Atravessei a sala, a mãe de Morcego estava cochilando. Passei pela porta e Baseado estava ali parado, olhava atentamente para a pista, como se soubesse que ali seria o local da sua partida. Sentei na calçada e coloquei-o no meu colo.

- Baseado, você nem sabe, mas deveria me considerar um herói. – Fazia carinho na sua pele macia e sentia que dali vinha alguma espécie de agradecimento natural. – Na verdade, nem sei o que esse ato heroico pode resultar, dizem que ser vilão é não medir as consequências das suas atitudes... o que estou sendo agora? – Apesar da dúvida, um bem irradiava o meu coração, algo positivo e satisfatório. Acho que é isso que o Superman sente quando evita a queda de um avião, deve ser esse o motivo dele fazer isso em todos os filmes.

O caminhão passou soltando sua buzinha estrondante. Baseado nem se moveu, ficamos vendo aquela enorme massa de ferro levantar uma quantidade incontável de poeira e sumir no horizonte.

- Acho que tem gente demais aqui. – Larguei Baseado e fui andando para casa. Minha noite de herói havia chegado ao fim. Salvei um animal e uma futura relação, quer mais?

26/10

Acordei empolgado por perceber que estava na véspera da estrela do tempo. Era só uma questão de horas e poderia voltar para o futuro com Anna apaixonada por mim. Uma escolha errada me rendeu a história mais louca da minha vida. Caminhava lentamente para chegar na escola, mas uma movimentação estranha chamou a minha atenção. O portão dela estava fechado e vários alunos estavam abraçados, vários se consolavam. Cheguei mais perto e vi o cabelo azul de Anna. Ela também me viu e veio correndo em minha direção.

- O que foi, Anna? – Ela chorava copiosamente.



- O zelador Gonzaga... o zelador... o zelador Gonzaga morreu...







Anderson Shon é escritor e professor. Lançou o livro Um Poeta Crônico no final de 2013 e, desde lá, já apareceu em coletâneas de poesia e de contos, já deu oficinas e é figura certa nos diversos saraus de Salvador. É apaixonado por quadrinhos, filmes esquisitos e músicas que ninguém ousa ouvir. Prepara seu segundo para o segundo semestre de 2016 e evita comer alface no almoço para não precisar dormir pela tarde.




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