[Websérie Literária] A Estrela do Tempo - Anderson Shon Capítulo 3



A Estrela do Tempo




Capítulo 3 – As 3 Luanas.




– Quem vai ficar com o papel é... Ai! Eu não tenho capacidade de escolher, não posso, não mesmo. – Pelo amor de Deus, professor! Pra que tanto mistério? Olhei ao redor e o teatro todo estava esperando a decisão.

– Vamos fazer uma votação? – Ele resolveu se isentar da escolha. – Quem prefere que o Joseph interprete o Victor Frankesntein levanta a mão esquerda – Justamente a esquerda? – e quem prefere o Cícero e sua atuação linda levanta a mãe direita. – Super imparcial. O professor abriu uma contagem regressiva e pediu que os presentes opinassem. Olhei ao redor e tudo estava bem equilibrado. Grego contava mentalmente, eu também. Cícero, coçava os olhos, parecia nem ligar para aquilo.

– 6 votos para Cícero e 5 votos para Joseph. – Pelo menos não teve suspense. – Problema resolvido, vamos continuar o nosso ensaio. – Ana me olhou entristecida, sorri indicando que ela deveria continuar.

– Você vai pra onde, Josh?

– Avise ao professor que irei beber um pouco de água e já volto. – Caramba! Como ainda sou um mal perdedor! Achei que os anos de experiência me tornariam uma pessoa mais compreensível. Saí do teatro pronto para ir pra casa, mas me deparei com Morcego sentado na escada segurando o Baseado e com uma advertência na mão.

– Aprontou de novo, Morcego? – Falei sentando ao seu lado.

– Acho que dessa vez ela termina comigo.

– Hoje é meu dia de fazer o papel de pessimista, escolha outro pra você.

– O de fracassado apaixonado ainda está livre?

– É... – O pior é que também estava. – Por que a advertência? – Preferi mudar de assunto.

– Estava explicando o motivo de trazer o Baseado para escola e quando eles ouviram o nome dele acharam que estava tirando um sarro.

– Sério? – Explodi numa risada sem levar em consideração sua tristeza. – Deve ser bem engraçado a diretora Gilmassauro escrevendo no caderno de advertência “o aluno Thiago foi advertido por trazer o ‘Baseado’ para a escola”. – Apesar da desolação, Morcego esboçou um sorriso.

– Você disse, ontem, que queria falar comigo. – Ele fazia cafuné no gato. – O que era?

– Verdade, verdade, é que minha memória anda me deixando na mão. – Na real, desisti de contar a verdade, percebi o rombo temporal que isso poderia causar. – É que eu tive um sonho bem esquisito.

– Você sonhou com um pato gigante liderando os seres humanos? – Era incrível como Morcego tinha perguntas idiotas sempre engatilhadas.

“ Você precisa sair cedo? Sua casa será sede de um torneio alienígena de cricket?”

– Não, lógico que não, é...

– Sonhou com uma sociedade com panelas falantes?

– Não, Morcego, para de tentar, me deixa falar, por favor. – Tive meu pedido atendido com o seu silêncio. Contei pra ele tudo que estava acontecendo comigo em formato de sonho. Não deixei nada de fora, até os mínimos detalhes foram explicados. O coitado já estava entediado.

– E então, o que você acha disso?

– Cara, eu acho que...

– Ótimo ensaio, Cícero, está tudo certo pra amanhã? – Anna e Cícero sairam do teatro com uma intimidade que eu desconhecia.

– Às cinco horas, ok? – Ele respondeu tentando um ar galanteador.

– Ok. – Ela deu um beijo em seu rosto. Na boa, não me lembrava de nada daquilo, não mesmo, principalmente de ter sentido ciúme de Anna duas vezes no mesmo dia.

– Oi rapazes. – O seu sorriso estava muito brilhante, algo mudou radicalmente. – Sabiam que o Cícero é um cara bem legal? Às vezes nós julgamos uma pessoa sem conhecê-la.

– Que bom. – Me levantei tentando disfarçar o ciúme. – Você vão ensaiar às cinco? – Precisava saber o que eles tinham marcado.

– Não, não, ele me chamou para comer comida mexicana amanhã, eu aceitei.

– Ahhh! Que legal, muito legal, super legal, não é, Morcego? Não é legal? – Queria esconder a raiva interior.

– É ótimo mesmo. – Morcego era um imbeciil! – Será onde?

– Lá no Shopping Iguatemi.

– Que bom, posso levar a Lari? Preciso vê-la com alguém ao meu lado, assim não brigará comigo por causa de mais uma advertência.

– Será ótimo, quer ir também, Josh? – Todo mundo acompanhado e eu segurando vela... hum... acho que terei algo melhor pra fazer.

– Vumbora, Joseph, você pode convidar alguém também.

– Isso, deve ter um monte de menina atrás de você, né?

– Claro, claro, eu vou adorar levar a... levar a... – Para me salvar, o sinal da escola tocou liberando um enxurrada de alunos apressados para chegar em casa. Baseado se assustou e começou a correr, Anna, que era muito mais atlética que nós dois, saiu correndo para pegá-lo, Morcego ia atrás dela e eu fiquei parado ali com uma dúvida na cabeça... Quem é que eu vou chamar?

{...}

O resto do dia foi pensando em qual garota poderia ir comigo. Sabe, é complicado arranjar uma menina da noite pro dia. Não tinha nenhuma experiência nisso, até minha vida adulta foi um acúmulo de insucessos com as mulheres. Tentei falar com meu pai, mas quando ele utilizou o termo “broto”, percebi que seus conselhos já estavam com o prazo de validade vencido. Resolvi assumir que seria impossível arranjar alguém nesse espaço curto de tempo. Fui até Morcego, seria melhor que ele desse o recado para Ana.

– Morcego, Morceeeeego!!!! – Gritava na direção da janela do seu quarto.

– Joseph, sobe aí. – Ele apareceu com uma enorme cara de sono. Fui até a porta e esperei ele abri-la.

– Pode entrar. – Deixei meu tênis na porta e o obedeci.

– Desculpa vir sem avisar, é que...

– Joooseph! – A família de Morcego estava na sala jantando. Eles eram tão legais, fiquei contente em revê-los. – Por que não me avisou que vinha, eu botava mais um prato na mesa.

– Não precisa, eu acabei de comer.

– Tenho certeza que comeu aquelas porcarias industrializadas. – A família dele era toda vegetariana.

– Acertou na mosca. – Riram um pouco do comentário.

– Nós vamos para o quarto, mãe.

– Eu vou preparar um sanduíche de rúcula e tomate pra vocês. – Nossa, eu não queria um sanduíche de “ruincula” mesmo, mas ser visita na casa de amigos é aprimorar a arte de não fazer desfeita.

“Esse churrasco de vagem, pepino, nabo e abobrinha está delicioso.”

– Qual foi, Joseph? Veio pra ajeitarmos o encontro triplo. – Morcego parecia empolgado com a ideia. – Não vai ser o máximo?

– É... o máximo... acho que não.

– O que foi? Não conseguiu arranjar alguém?

– Isso está escrito na minha testa?

– Não, no seu corpo inteiro. – Morcego começou a procurar algo em sua gaveta. – Mas você tem o amigo dos sonhos, espera um pouco. – Ele estava parecendo uma ema com o pescoço enterrado na terra. Revirava os papéis, tirava canetas, blocos de notas voavam pelo quarto. Não sei como tudo cabia ali dentro.

– Tome. – Um papel com alguns nomes e anotações caiu no meu colo. Havia várias coisas escritas ali, mas o que mais me chamou a atenção foi o título.

– “As 3 Luanas – Lista das mulheres que sairiam com Joseph” É sério? Você perdeu seu tempo fazendo isso?

– Pode me agradecer.

– E será que vai dar certo?

– Não custa tentar, né? A primeira é a Luana “Formata o meu pc...”



Dia 23/10



– Olá, Luana. – Ia entrando lentamente na sala de informática, olhei o calendário na porta e não tinha nenhuma aula marcada para esse horário, pelo contrário, era hora dela formatar os computadores. – Tudo bem? – Seus olhos estavam vidrada na tela do PC, mal me viu entrar.

– Luana?– Cheguei mais perto.

– Oi Joseph. – Ela digitava velozmente. – Precisando que eu formate o seu computador? – Parecia ter um mega prazer nisso. Todos que tinham algum problema, recorriam a ela, por menor que fosse, Luana era a super heroína virtual da escola.

– Não, não, na verdade... – Uma coragem impressionante me invadiu, não iria fazer rodeios, era homem o suficiente para chamar uma garota pra sair. – Eu queria saber se você vai fazer algo mais tarde?

– Mais tarde? Que horas?

– Umas cinco. – Coçava a cabeça mostrando insegurança.

– Estou livre, por que? Algum vírus diferente?

– É que eu queria ir comer um pouco de comida mexicana e queria saber se você quer ir comigo?

– Eu? Eu mesmo? – Ela tirou a cara do computador. – Você está me chamando pra sair? Nossa, ninguém nunca me fez um convite desses, todos só me chamam pra mexer nos seus computadores, pra responder perguntas sobre bytes, gigabytes, terabytes, somente para coisas assim, estou até emocionada, Joseph.

– São uns idiotas. – Foi mais fácil do que imaginei. – Tenho certeza que você é bem melhor do que só isso.

– Muito obrigado, Joseph.

– E então, te pego que horas?

– Eu não vou. – Ela voltou a olhar para o computador. – Acabei de lembrar que tenho que formatar o computador do meu tio, ele é péssimo em informática.

– Mas, mas, é... – Aprendi com a vida que é contra lei perguntar os motivos de um fora. – Posso te perguntar uma coisa? – Mas às vezes é necessário ir além.

– Sim, fique à vontade.

– Será que amanhã você pode formatar meu notebook?...

“...Tem a Luana Bipolar, ela é meio doidinha, você vai encontrá-la na biblioteca...”

– Luana? – Uma menina de cabelos pretos estava sentada com todos os livros do famoso bruxo em cima da sua mesa.

– Shiiiiiiii!!!!!! – Olhou pra mim com o dedo na boca e fazendo aquele sonoro som de “silêncio, por favor.” Fiquei parado sem saber muito bem o que fazer.

– Oi Joseph, quer sentar? – Ahhhhh, bipolar... entendi.

– Claro. – Puxei uma das cadeiras.

– Nessa não, nessa não!!!! – Apesar de estar falando baixo, pude perceber um certo desespero em sua voz. Nem quis perguntar o motivo daquilo.

– Tudo bem? – Já tinha escolhido outra cadeira.

– E porque estaria bem?

– Sei lá, é bom quando estamos bem, né?

– Sim, sim, está tudo bem. – Isso não dará certo, na boa.

– Está lendo o quê? – Era um quebra gelo.

– Harry Potter, gosta? – Conhecia muito pouco, sabia que era uma série de sete livros e que no meu futuro o oitavo já foi lançado com enorme sucesso e que o filme, referente a ele, também ficou muito bom.

– Adoro. – Menti.

– Eu nem curto tanto.

– É... tem suas falhas...

– Mas eu acho perfeito.

– Pois bem. – Era melhor ir logo ao meu objetivo. – Você quer dar uma volta hoje? Ir comer uma comida mexicana lá no shopping?

– Será ótimo, Joseph... quer dizer, acho melhor não... ou melhor, vai ser muito legal... na boa, prefiro ficar em casa cortando as unhas da vovó... acho que vai dar sim...sei não, hoje tem episódio novo da série dos amigos... – É... melhor tentar a próxima. Eu mato o Morcego!

“ – Só restou a Luana Fernanda.

– A Luana Fernanda? Você tá louco? Por que ela iria querer sair comigo? Todos os meninos da escola babam por ela.

– Exatamente por isso, ela está solteira, vai que agora quer um perfil diferente, alguém que tenha uma beleza interna mais bonita que a externa, que, no seu caso, não é nenhuma dificuldade.

– Muito engracadinho, escolha outra, essa já é um fora garantido.

– Você está sendo pessimista, Joseph, esse pensamento não irá ajudar.

– Ela não, não vou tomar um toco atoa.

– Você já tem o “não”, correr atrás do “sim” é sua missão, você que sabe.

– Você tem certeza que ela está solteira?

– Se ela não estiver eu saio na rua usando uma saia floral.

– E se eu tomar um fora? O que eu posso fazer com você? Te matar?

– Deixa de ser frouxo, Joseph, confio em você!!!

– Eu que não sei se confio em mim...”

Entrei na lanchonete e vi aquela beleza magistral. Ela estava sentada na última mesa. Seus longos cabelos ruivos, o óculos sensualizando a sua inteligência, os lábios desenhados por deuses e um piercing pequenino brilhando no nariz, nossa!!!! Como ela é perfeita.



– Coragem, coragem, coragem!!! Realmente, o “não” eu já tenho, o que mais posso perder?





Anderson Shon é escritor e professor. Lançou o livro Um Poeta Crônico no final de 2013 e, desde lá, já apareceu em coletâneas de poesia e de contos, já deu oficinas e é figura certa nos diversos saraus de Salvador. É apaixonado por quadrinhos, filmes esquisitos e músicas que ninguém ousa ouvir. Prepara seu segundo para o segundo semestre de 2016 e evita comer alface no almoço para não precisar dormir pela tarde.

















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