[Resenha] Prince of Thorns - Mark Lawrence


O hype elegeu Prince of Thorns (Editora DarkSide, 2013) o livro da vez, assim como a DarkSide, a editora da vez. Não há como fugir da beleza do objeto que tenho em mãos. Algo mais que uma história escrita em papel entre capas. Um objeto de arte, com acabamento impecável, fino tratamento gráfico e revisão acurada. Cada detalhe inspira elogios, seja pelo tato acamurçado na capa dura, seja pelo verniz cuidadosamente aplicado sobre o título em alto relevo, seja pelo verso das capas em vermelho, seja pelas páginas em preto, onde pequenos trechos do livro esmiúçam personagens e situações. Ouso dizer que o livro peca pelo excesso. Além disso, o que sobra para se dizer do principal? A história é boa? 

O início me pareceu um tanto turbulento. Não pela história, mas pelo estilo do escritor, efusivo, transbordando insanidade. As coisas parecem ser um pouco jogadas, amarradas sempre com figuras de linguagem, linha a linha. Metáforas em exagero, comparações aos borbotões, sinestesias, prosopopeias, metonímias... e uma personalidade absolutamente psicótica no personagem principal, Honório Jorg Ancrath, o menino que perdeu a mãe e o irmãozinho para a violência de um rival de seu pai. Falta um pouco de empatia com o leitor, um pouco mais de conexão para que os fatos sejam absorvidos com melhor proveito. É crueza demais. Não há frase simples. Dá quase uma indigestão de tanto coisa acontecendo. 

A falta de empatia vem de propósito. Mark Lawrence escreve muito, mas muito bem, embora seja um tanto efusivo demais, a ponto de extrapolar na mão. Poético demais para um romancista. Ele criou seu personagem principal, um menino, que veio da nobreza, num reino inventado, para ser o anti-herói de sua narrativa. Ele é antipático, violento, narcisista, antissocial, incoerente e traiçoeiro, além de ser muito inteligente e perspicaz. Um jovem psicopata marcado pela violência que viu e viveu. Afinal, o príncipe Jorg só ficou vivo porque estava sofrendo de tal forma que nem gritar conseguia, atirado que foi no meio de uma touceira de roseira-brava, um espinheiro denso e venenoso que por pouco não o matou. Ali, dentre espinhos ferozes, foi inoculado com o ódio mortal que levou pela vida. 

Causa certa impressão que os algozes de sua mãe e irmão não o tenham achado. Eles sabiam que Jorg era o herdeiro ao atacarem a carruagem. Não o encontraram, estupraram sua mãe e a mataram, seu irmãozinho foi despedaçado contra um muro e ficou por isso mesmo, e o motivo que levou a esse ataque me pareceu um tanto forçado. Um plano meio visionário por parte dos inimigos, acreditar que desembocaria no resultado que de fato se deu. Mas enfim, deu certo e é aí que reside todo o argumento narrativo. Há um ódio imenso em Jorg pelo fato de ter descoberto o motivo por trás da chacina, que foi negociado pelo rei, seu pai, de forma um tanto quanto forçada também. Política é a resposta, mas isso não me convenceu. Não entendi como, com a personalidade que tem, o rei Olidan não afundou seu reino atrás de vingança. O acordo foi aceito com muita resignação. “Comércio e cavalos”, Jorg vive repetindo. 

E assim no encontramos, quatro anos depois dos acontecimentos que marcaram sua infância. Ele se tornou um líder mercenário e a forma como isso acorreu nos é contada, como todo o resto, em uma narrativa não linear, onde a história volta à sua infância para nos mostrar como foi a construção da personalidade sombria do menino. Quando estamos no presente Jorg nos fala as coisas que sente e a maneira como gostaria de lidar com o mundo que o cerca. Um garoto de quatorze anos, mas que já massacrou e mutilou aldeias inteiras. Aliás, Jorg geralmente quer matar todo mundo que o contraria, o texto se ocupa bastante com suas reflexões sobre como seria divertido decapitar e arrancar olhos. Mas como teve uma boa educação, sabe que não deve sempre dar vazão a seus desejos escatológicos. Pelo menos não toda hora. 

É mais um pecado do autor. Mark Lawrence não nos entrega um pacote de características que corrobore esse comportamento psicopático por parte do jovem Jorg. Seria de se esperar que ele fosse arredio, confuso, insensível, com um olhar parado, talvez um rosto inexpressivo de maluco, sei lá... Mas não é assim. Essa predisposição para o mal vai ser explicada, mais adiante. Não se trata de pura insanidade, mas mesmo a explicação soa meio fake para mim. Então ficamos sabendo como ele encontrou seu bando, como se juntou a eles e se tornou o líder. Mas como isso é possível? É demais querer que acreditemos que um garotinho ainda com de dez anos pode ser o chefe de adultos assassinos e ladrões da pior espécie, da maneira como nos foi apresentado. E ficar vivo, durante quatro anos, guerreando, rodeado desses meliantes? Com caras como Rikey, que por pouco não é o próprio bicho-papão encarnado? Forçado... 

Com problemas de convencimento aqui e ali, de alguma forma o texto é bom demais para que eu a largue. Talvez, com o frigir dos ovos, Lawrence não seja tão bom assim, mas a história é do caralho! Quando vi já estava no meio do livro e continuava a virar as páginas. Por que? Simples: ótima história e curiosidade em ebulição. Simples assim. As pontas soltas são unidas com durex e barbante a la deus ex-machina, mas ainda assim a história é boa. A mentalidade mágica, necessária a todo leitor de fantasia, foi atiçada com um ferro em brasa! Magia em forma de fantasmas comedores de almas, infanticídio, necromantes, mutantes, pistas que nos fazem suspeitar que aquele não é um mundo medieval na lua de algum planeta inventado, mas que estamos no futuro da Terra, dez mil anos depois dos egípcios (seis ou sete mil anos no nosso futuro atual), construções atribuídas a um povo, simplesmente denominado como Construtores, estão em todo lugar. Nietsche, Shakespeare e livros de física são leitura obrigatória de Jorg, e outros elementos dados a conta-gotas nos levam a aguardar que há algo a ser desvendado ainda, algo muito bom que devemos esperar para ver. 

Mas de novo me deparo com alegorias em exagero, uma verborragia desatada. Num certo momento, começo a achar difícil progredir no livro devido aos constantes flashbacks. E além disso, como não poderia deixar de ser, com um personagem tão singular e cerebral como Jorg, as reflexões feitas, em alguns momentos, chegam a ser incompreensíveis. Uma complicação do cão entender certas figuras que são empregadas ou situações que são pura elucubração de maluco. Aquela passagem da mão no pescoço de Hanna (a criada de Katherine) e depois da mão de Hanna no pescoço de Jorg, é doideira só. O que aconteceu ali, realmente? O cara está sonhando? É de verdade? É o veneno da roseira-brava ainda fazendo seu efeito, o que provoca certas crises de perda de consciência? É um feiticeiro manipulador de sonhos agindo? Não sei. Toca o barco... 

Nos capítulos finais, quando temos o enfrentamento de Jorg com Olidan, após a destruição da Fortaleza Vermelha, fica ainda mais confuso embarcar nas reflexões dele, mas por incrível que pareça, as “explicações” para tudo dar sempre certo nos seus planos e por ter deixado de lado a vingança que o moveu desde o princípio (a chacina de sua mãe e irmão), são finalmente dadas. As aspas são pelo fato dessas “explicações” serem um tanto forçadas demais (mais uma vez), já que ficamos sabendo que o garoto nunca agiu realmente seguindo seu próprio arbítrio. Muita informação, Mark Lawrence. Menos! 

Um comentário que não poderia ficar de fora é que a mistura de magia com um universo científico pós-apocalíptico, que nos mete numa ruína ou outra, com estruturas de concreto aqui e um artefato nuclear ali, cria certa confusão com relação ao real teor do que estamos lendo. Explico: até pelo fato de Jorg não saber o que são tais lugares e objetos, certas frases são literais ou simples abstrações/ metáforas? Basicamente, isso é mais um nó para o bom entendimento da trama, sem o qual a história desceria mais redonda. 

No fundo, fica uma certa obrigação (ou vontade, que seja...) de reler o livro, devido a necessidade de entendimento pleno da obra. É que só assim parece que a história vai fazer sentido. Portanto, a “falta de sentido”, no final, deve-se a um defeito de comunicação entre escritor e leitor, entre enunciação e entendimento, e isso é um defeito da narrativa. Acho ótimo ser tirado de minha zona de conforto por frases buriladas com esmero e me sentir burrinho, uma vez ou outra, por não ter entendido direito o que ele quer dizer com isso ou aquilo, mas isso não pode ser muito frequente! Minha queima de neurônios precisa de motivação lógica. Minha crença na história foi estirada um pouco além da conta. 

A impressão que tenho, no final, é de que Prince of Thorns é um bom livro, boa diversão e momentos de ócio recompensados, o que resulta num livro que vale a pena, mas também é genialidade questionável e prolixidade demais. Um filho hiperativo gerado por Mark Lawrence numa gestação complicada. Alegorias em profusão, como num desfile de escola de samba, empanturram mais que alimentam. Show demais para olhos pouco acostumados a tanto estilo. Talentoso, sim, mas certamente acelerado, incisivo, excessivo e invasivo. O autor precisa de sintonia, descobrir como fazer com que sua cabeça funcione no mesmo ritmo das de seu leitores (ou não...). Mas sem isso, tudo fica complicado.















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