A Espada do Destino - Andrzej Sapkowski



Livro que aguardou pacientemente na minha estante para vir ao lume. Sim, como tantos outros leitores vorazes por aí, sou acumulador de livros. Leio muito, mas compro/ganho mais ainda, e por isso, A Espada do Destino (Editora WMF Martins Fontes, 2012), do polonês de nome impronunciÔvel, Andrzej Sapkowski, esperou até agora. Confesso certa cisma com o primeiro livro do autor, publicado aqui no Brasil pela mesma editora. Não que fosse ruim, mas O Último Desejo, de 2011, foi um livro lançado sem a devida informação de que se tratava de uma coletânea de contos e, pelo encadeamento, poderia até ser entendido como um romance, coisa que realmente não era, o que provocou muita confusão e tornou meu processo de leitura pouco confortÔvel. Mas é de A Espada do Destino que vamos falar e, ciente de antemão de que se trata de nova coletânea, o livro é muito bom!

Geralt de Rívia é um caçador de monstros. Um witcher que, em português ficou bruxo mesmo, por falta de uma definição mais próxima. Todavia, bruxo não é realmente um termo que diga muito sobre o personagem, jÔ que nosso conhecimento do clichê nos remete a uma figura vestida em trajes longos, com um chapeu pontudo, uma vassoura voadora e talvez uma varinha mÔgica na mão. Nada disso. Geralt estÔ muito mais para um guerreiro mercenÔrio que ganha a vida com a força de seu punho numa espada. Mas ele tem poderes. Consegue invocar sinais místicos que lançam feitiços nos oponentes, tem sentidos aprimorados e grande habilidade na luta armada. Ele é um mutante!

Oi? Ele Ć© um X-Men? Calma... Ɖ sĆ©rio que ele Ć© um mutante. Ɖ assim que o chamam em muitas pĆ”ginas, e a ideia de mutante aqui beira ao que vemos nos gibis dos X-Men, sim. Refere-se ao ser que nĆ£o pertence realmente a sua espĆ©cie, tendo uma mutação que o difere do coletivo. No livro, Geralt foi escolhido dentre algumas crianƧas e submetido a extratos e ervas mĆ”gicas cujos perigosos componentes alquĆ­micos foram mudando seu corpo e lhe despertando habilidades dormentes, tudo muito doloroso e com um final nem sempre excelente. Ele nĆ£o pode se reproduzir, por exemplo, como a ciĆŖncia real nos diz sobre mutação, e nĆ£o sabemos muito mais sobre como ele conseguiu seus dons. AliĆ”s, todo o livro Ć© um apanhado de pistas que no final nos proporcionarĆ” uma visĆ£o mais completa de Geralt de RĆ­via, embora isso nunca seja dito tudo de uma vez, ou com objetividade.

Portanto, como estamos numa fantasia medieval, bruxo talvez seja uma maneira mais razoÔvel das pessoas se referirem a seres como ele, mas hÔ feiticeiros também,como o bom arquétipo padrão dos fazedores de feitiços jÔ bem conhecido por nós. Portanto, feiticeiro é uma coisa e bruxo é outra, entendido? E hÔ elfos, anões, gnomos e ananicos (pequeninos, de pés peludos. Seriam hobbits?), e uma variedade imensurÔvel de monstros retirados da mitologia eslava, de nomes abstrusos como estriges, dopplers e gnolls, incluindo ainda os mais conhecidos, como lobisomens, dragões e goblins (cÔ para mim, acho que muitos são invenções da própria cabeça do autor, mas, vamos ao livro).

Andrzej Sapkowski Ć© um exĆ­mio escritor e domina com desenvoltura toda a tĆ©cnica da boa narrativa. Por isso nos deixamos conduzir por sua agilidade em ótimos textos, com personagens muito bem construĆ­dos, situaƧƵes cĆ“micas e de ação, e frases habilidosamente encaixadas. AliĆ”s, o bruxo Geralt de RĆ­via difere muito do personagem que conhecia jĆ” do videogame, inspirado pelo autor polonĆŖs. Enquanto o The Witcher (1, 2, 3...) Ć© um jogo de ação, muito mais sombrio, com um Geralt de RĆ­via circunspecto e implacĆ”vel, o personagem do livro Ć© um cara mais pacato, ‘na dele’, que mal toca na espada a nĆ£o ser quando tem um monstro pela frente. No fundo, prefiro o Geralt do game, jĆ” que o tom do texto Ć©, na maioria das vezes, muito mais jocoso.

O primeiro conto, O limite do impossĆ­vel, nos coloca junto com o caƧador de monstros numa missĆ£o de busca a um dragĆ£o. Ɖ de se notar a presenƧa de Yennefer, uma personagem feminina totalmente descolada do usual, detentora de uma personalidade Ć­mpar, uma feiticeira durona, mandona e bela, capaz de se virar sozinha sem precisar da ajuda de um mocinho num cavalo branco para salvĆ”-la. AliĆ”s, ela parece fazer do nosso Geralt gato e sapato, pelo menos nos dois contos iniciais. A caƧada ao dragĆ£o Ć© ótima jĆ” pela preparação para o combate, quando os caƧadores se reĆŗnem e discutem as tĆ”ticas de enfrentar a fera e como dividirĆ£o os espólios. Muito bem executado.

No segundo conto, Um fragmento de gelo,estamos num outro tempo e lugar. Ficamos num lenga-lenga danado sobre a relação de Geralt com Yennefer, sobre o passado amoroso deles e o futuro, onde Yennefer, como quem nĆ£o quer nada, lhe pƵe um par de chifres com um antigo amante. Ɖ uma DR interminĆ”vel. Yennefer Ć© uma presenƧa universal nos textos de Geralt de RĆ­via, estando fisicamente presente ou apenas na forma de lembranƧas por parte do bruxo. Como disse antes, Yennefer tem uma personalidade muito forte e Geralt, que nĆ£o tem sentimentos por ser um mutante (pelo menos Ć© o que os outros dizem sobre mutantes), fica num dilema pessoal sobre o que deve ou nĆ£o fazer com relação ao oponente amoroso. Um duelo Ć© entĆ£o marcado e quem viver ficarĆ” com o espólio. Mas a feiticeira nĆ£o estĆ” muito afim de ser espólio de ninguĆ©m.

Depois vem, O fogo eterno, um conto muito mais voltado ao cĆ“mico, quando um doppler (ou mĆ­mico, como Geralt conhece) assume a forma de um comerciante ananico e rouba seus cavalos. Temos muitas reviravoltas onde o tal doppler mostra ser muito mais competente como administrador das finanƧas do que se esperava, com um tom muito menos sĆ©rio do que o restante dos contos, atĆ© entĆ£o mostrado. Ɖ um alento termos o jogo The Witcher, nesse ponto do livro, pois realmente nĆ£o me agradou nem um pouco esse Geralt de RĆ­via menos sombrio e muito mais falador, com sua espada Ć s costas servindo de mero enfeite. Sobressai-se, contudo, mais uma vez a excelente escrita e o ótimo trabalho de revisĆ£o da Editora WMF Martins Fontes (coisa rarĆ­ssima em se tratando de fantasia, no Brasil).

Vamos entĆ£o para outro texto, Um pequeno sacrifĆ­cio, onde Geralt e Jaskier, o trovador seu amigo, estĆ£o Ć s voltas com um prĆ­ncipe que estĆ” apaixonado por uma sereia. Nesse ponto jĆ” deu para perceber que os textos sempre tĆŖm um convidado especial. Sempre Ć© Geralt + alguĆ©m, no estilo team-up. No caso, Geralt se rende a beleza de uma amiga de Jaskier, uma poetisa, e ela se apaixona por ele. Mais um conto de amor nessa coletĆ¢nea. Geralt tem que lutar contra seres das profundezas do mar enquanto a sereia Ć© seduzida por um prĆ­ncipe. Argh! Texto muito... “diferente” do que eu esperava, num livro dedicado a um caƧador de monstros que virou Ć­dolo de muitos admiradores da fantasia medieval. Fico me perguntando quando Ć© que o bruxo vai sair por aĆ­, matando feras e expondo vĆ­sceras, para animar um pouco esse livrinho, meloso demais atĆ© aqui. ComeƧo a sentir saudades da tal “...forƧa de seu punho numa espada...” e “...grande habilidade na luta armada...”.

Finalmente chegamos ao melhor texto do livro. Em A Espada do Destino, conto que dÔ nome ao livro, Geralt se embrenha num floresta encantada, dominada por sanguinÔrias dríades (ninfas dos carvalhos) dispostas a tudo para manter sua querida floresta de Brokilon livre da presença dos humanos. Eu disse que todos os contos nessa obra são um arcabouço para as aventuras de Geralt de Rívia, mas esse, em especial, é mais que nos outros. Se em cada um deles conhecemos aspectos da vida do witcher, aqui descobrimos um pouco sobre Ciri, uma menininha que, segundo as profecias, deveria se tornar uma bruxa. Cada fragmento do texto se junta ao todo, dando a ligeira impressão que não estão encadeados cronologicamente, mas como a todo momento temos flashbacks, a sensação de confusão é até proposital. Nesse ponto, jÔ sabemos muito sobre a vida pessoal de Geralt, sabemos que Yennefer é sua paixão, sabemos também que ela não dÔ tanta importância assim a Geralt e sabemos inclusive o porquê dessa rejeição. Sabemos porque Geralt é um bruxo, e quais suas convicções.

No último texto, Algo mais, Geralt é defrontado com aquilo que ele sempre duvidou existir, algo que ele sempre fez questão de desdenhar: seu destino. Todo o livro serviu para estruturar um personagem muito bem planejado, complexo, vivo, vulnerÔvel e sombrio. Se as histórias não são sequencias, são absolutamente complementares, às vezes abordando os mesmos temas, mas com visões muito diferentes conforme amadurecemos com o texto e entendemos melhor os personagens. Cada conto é portanto, uma parte do universo de Geralt que precisÔvamos saber, imagino, para acompanharmos melhor os romances que virão a partir do livro 3.

Ɖ interessante como nesses dois Ćŗltimos textos nos aproximamos de vez do personagens dos games, como eu tanto queria. Tudo foi uma preparação para o final, melancólico, pungente e promissor. HĆ” uma grande aventura nos esperando nos livros vindouros. A Espada do Destino cresce conforme se aproxima do fim. Raramente recomendo com tanta veemĆŖncia um livro, como faƧo nesse momento. Simplesmente porque temos a junção de um escritor espetacular com uma habilidade escrita fenomenal, alĆ©m de uma revisĆ£o absolutamente impecĆ”vel por parte da WMF Martins Fontes. Só poderĆ­amos ter uma coletĆ¢nea genuinamente fantĆ”stica. A Espada do Destino realmente vale cada centavo.















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