Assim que comecei a leitura de A Dança dos Dragões (Editora Leya, 864 páginas, R$43,90), quinto volume da série As Crônicas de Gelo e Fogo, do absolutamente genial George R. R. Martin, tive a sensação de que o autor estaria meio que se cansando. Não sei se por notar alguma lentidão em certas passagens ou o aparente titubeio em um capítulo ou outro. Talvez seja eu quem esteja, de certa forma, querendo que a história comece logo a resolver seus enigmas. Claro que estamos no meio da saga e o meio é sempre um problema, já que temos todos os elementos da construção narrativa e queremos vê-la deslanchar. Mas não estaria na hora do autor parar de introduzir novos personagens e começar a resolver a vida dos velhos?
Começamos o livro com um esclarecimento sobre o fato de que o quinto volume deveria vir junto com o antecessor. É que os dois livros seriam concomitantes e não deveria existir uma sequência cronológica do quinto com relação ao quarto. Isso porque o quarto livro seria um monstro de tão volumoso, e então optaram por dividi-lo em dois catataus “menos imensos”. Ok, entendido. Acontece que no quinto livro há acontecimentos que são cronologicamente anteriores a alguns que saíram no quarto, o que contraria o pressuposto da concomitância dos fatos. Lembram que no livro quatro, Sam foi com Goiva e Meistre Aemon para Vilavelha? Pois é, aqui ele nem partiu ainda. Se era para dividir o livro em dois, porque não mantiveram a cronologia? Perde um ponto no meu conceito só por isso.
E cai no meu conceito também a revisão, no mínimo descuidada, feita pela Editora Leya; e mesmo a tradução, que se confunde em muitos momentos, o suficiente para não ser algo isolado ou eventual. Na verdade, há muitos erros! Há até um Brown Ben Plumm, em certo momento, quando só existe Ben Mulato Plumm, um mercenário, um dos companheiros de armas de Daenerys. De onde vem esse Brown? Simples: esqueceram de traduzir e ficou como no inglês. Ainda bem que foi só uma vez. Mas em certas passagens a leitura está muito ruim. Trechos absolutamente indecifráveis. Impossível não dizer que até a capa é de uma qualidade inferior às maravilhosas pinturas de Marc Simonetti, nos livros anteriores. O Drogon que aparece na ilustração é de três a quatro vezes maior que o dragão que está nas páginas do livro. Deviam ter dado esse toque no artista.
Mas aí temos a volta de Tyrion, o magnífico anão, que está a procura do lugar “para onde as putas vão”. Leia o livro e descubra o porquê. Engraçado, perspicaz e, agora, simplesmente sem a mínima vontade de controlar a própria língua, já que, depois que matou o pai e o sobrinho, Joff, tornando-se parricida e regicida, desceu ao inferno. Aliás, o anão virou meio que um serial killer, pois matou também sua amada, Shae, lembram? Agora, Tyrion não liga mais a mínima se alguém vai calá-lo ou não. E não faltam aqueles que tentam, com tabefes e espancamentos. Prepare-se para a já consagrada filosofia Tyrion Lannister, com suas tiradas ácidas, cruéis e absolutamente únicas.
George Martin definitivamente presta homenagem aqui a dois outros grandes escritores, quando nos aproximamos de uma mitologia mais próxima à Terra Média, quando Bran encontra elfos! Bem, no livro, Martin não os chama assim, mas de Filhos da Floresta, e eles são baixinhos e delicados. Há muito esperava por isso, desde quando ouvia a Velha Ama contar histórias aos pequeninos Bran e Rickon em Winterfell, lá no início da série. Sabia que não seriam só fábulas!
O segundo homenageado é Glen Cook, que se tornou famoso pela sua série A Companhia Negra. Em A Dança dos Dragões, Martin salienta várias companhias livres, grupos mercenários contratados para lutar, ou a favor ou contra a rainha de prata, Daenerys Targaryen, que em Meereen espera a volta de Daario Naharis, louca para ir para a cama com ele.
Falando nisso, os capítulos dedicados a Daenerys continuam sendo, para mim, os mais enfadonhos (é que Sansa não dá as caras nesse livro, senão a taça ficaria com ela). A espera dela em voltar para Westeros, sua vidinha de rainha que não consegue lidar com o problemão de governar um povo de quem não conhece os costumes e a cultura, suas sessões atendendo aos suplicantes, o fato de ter que prender seus dragões que já estão maiores e causando problemas... são um pé no saco! Mas, se tem uma coisa que podemos afirmar, sobre A Dança, é que esse é um livro sobre dragões. Alados, ferozes e famintos!
Theon Greyjoy já não existe mais. No seu lugar nasceu Fedor. Ou algo como um arremedo de homem, já que as sessões de esfolamento e amputação, perpetradas por Ransay Bolton, que antes era conhecido como “o bastardo dos Bolton”, o transformaram em um ninguém psicótico, capaz de trair o próprio povo, os Homens de Ferro. Ótimo retorno! E ótimo também é Davos Seaworth, também um personagem que eu considerava chato, a quem é dado duas missões suicidas, primeiro por Stannis, o rei que se reestabeleceu na Muralha. Depois pelo gordo Lorde Wyman Manderly, de Porto Branco. E essa última missão, deixada para o próximo volume, vai ser sensacional!
Embora o livro cinco seja ocupado em maior parte por Dany, Jon e Theon/Fedor, há alguns poucos capítulos dedicados a vários outros queridos personagens, como Bran (como já disse), Arya (enigmáticos. Ainda patinamos com a iniciação dela nos segredos da Casa do Preto e Branco – Valar Morghulis) e mesmo Cersei. E aqui quero fazer o maior aparte dessa resenha: pois não tínhamos terminado o livro quatro com a bela e dourada rainha sendo entregue a Qyburn, para que realizasse nela sua “arte”? Se vocês se lembram, Qyburn é um novo “meistre” em Porto Real, que se diverte realizando “experiências” um tanto sinistras com seres humanos. Tudo levava a crer que Cersei finalmente teria um final horrível, digno dos seus malefícios, nas mãos de um subalterno seu, e sequer ouviríamos mais falar dela. A não ser, talvez, para a vermos, num hipotético livro futuro, retornando como alguma aberração a la Catelyn Stark (que não deu as caras). Ou talvez ela só fosse desmembrada viva, sei lá... Contudo, em A Dança, ela retorna, humilhada e destituída de qualquer realeza, sim, mas absolutamente íntegra para realizar mais malvadezas.
Se me permitem o pitaco, Martin perdeu uma estupenda oportunidade de ser genial mais uma vez, como já foi em várias outras. Não se trata de fazer “os maus pagarem seus pecados e os bonzinhos vencerem no final”. Martin já nos mostrou que sua narrativa está acima do bem e do mal. Mas dar o fim em Cersei aqui só corroboraria sua verve literária característica, de matar ótimos personagens, sendo que criar novos nunca foi uma dificuldade. Seria foda! Um luxo que só um grande autor do seu quilate poderia dispor. Mas, vamos ver no que dá...
Outra impressão, um tanto inconclusiva, admito, é a de que o autor está criando conteúdo novo para ser resolvido nesse ou nos próximos volumes. Inserções aqui e ali que podem mudar os rumos, até então vislumbráveis, de todas As Crônicas de Gelo e Fogo. Nada de mal nisso, vejam bem, mas mostra uma mudança de linha de ação, já que As Crônicas parecem estar deixando de ser uma história longa e bem elaborada, planejada para um determinado número de livros (com arcos que se iniciaram, se desenvolvem e teriam suas conclusões no final da obra), para se mostrar uma história esticada, com a adição de mais conteúdo do que precisava. Tipo, novela da Globo que dá ibope, onde se adiciona mais capítulos para aproveitar a audiência (nossa, peguei pesado agora. Desculpem!). Ótimo recurso caça-níqueis, mas péssimo para justificar a deformação de uma história formidável que poderia ter um futuro muito mais glorioso.
Temos a adição do plot de Durolar e os acontecimentos que a envolvem, na trama. Isso se inicia nesse livro e será resolvido nos próximos, deixando o jogo dos tronos de lado, por algum tempo. De novo: não estou achando ruim, só evidenciando novas linhas de condução da narrativa, já que saímos um pouco do que conhecemos como Guerra dos Tronos, para imergirmos em novos aspectos que mudam ligeiramente o corpus. Devemos lembrar que As Crônicas sempre foram uma grande e descomunal história, não sobre Daenerys, não sobre Jon, não de Bobby, ou de Arya, ou de Stannis, ou de qualquer outro, ou, a partir de agora, não sobre a Guerra dos Tronos apenas! As Crônicas sempre foram uma história sobre Westeros. Se seguirmos este caminho, sequer precisam ter um fim. O velho George pode continuar escrevendo para sempre!
Concluindo, me pareceu que houve menos cuidado por parte do autor ao criar esse livro. Martin se tornou mais repetitivo. Vejo muito menos passagens geniais. Ok, elas continuam lá, mas em menor quantidade. Vejo muito menos argumentos convincentes e irrepreensíveis. Sim, ainda temos muitos, mas menos. Observo menos personagens plausíveis, desempenhando otimamente sua função, mas ainda os temos de monte.
Com relação a esse último ponto, não posso deixar de citar Tormund, Terror dos Gigantes, com suas piadinhas e suas gracinhas sobre o próprio pau, hilariantes, às vezes. Fora isso, está sempre aceitando o que diz Jon Snow, dando-lhe tapinhas nas costas, congratulando-se com ele e aconselhando-o, assim, do nada. Nos livros anteriores, esse personagem era muito mais maduro, um bárbaro cáustico e desconfiado. Como fica agora dando apoio a um Corvo vira-casaca duas vezes, que traiu seu líder e o Povo Livre? Não gostei. E Quentyn Martell? Para que ele foi tirado de Dorne e enfiado na história, afinal? Para fazer o que fez? Martin, o que é que está havendo, meu velho?
Um ponto positivo, no entanto, é Merreca. Quem poderia imaginar que ouviríamos falar dela de novo (e tanto)? Como assim, “de novo”, você pode estar se perguntando: “quem é Merreca”? – um dragão de ouro para quem lembrar! Explico: Merreca já nos foi apresentada, mais precisamente no casamento de Joffrey e Margaery Tyrell. Não se lembram dela? É o ótimo Martin quem age aqui. Personagens que eram menos que secundários passam a status de estrelas, assim, de uma hora para outra. Pois em A Dança, ela é a principal companhia de Yollo (quem?)
Aconselhadíssimo, senhoras e senhores. Deixem minhas considerações chorosas para lá. Talvez tenha sido cítrico demais. A Dança dos Dragões, com um defeito aqui ou ali, continua sendo um legítimo Martin; apenas questiono por quê uma série genial passou a ser “apenas” muito boa. Só isso. Já vi declarações do autor em que ele argumenta que está demorando para escrever o restante da obra porque está tendo muito trabalho (Ah! Sério? Quem a tornou tão complexa foi você, mestre.) e que os leitores não gostariam que ele escrevesse com “pressa”, pois a qualidade tenderia a cair. A pergunta então passa a ser: tem certeza de que não quer escrever com um pouco mais de calma, George?