World of Warcraft: Marés da Guerra - Christie Golden




Quando vi que haviam lançado World of Warcraft: Marés da Guerra (Galera Record, 350 páginas, R$ 34,90) no Brasil fiquei muito feliz, afinal a alta fantasia de Warcraft foi muito importante para mim algumas décadas atrás, como foram os gibis de super-heróis, RPGs e Magic the Gathering; combustível criativo, um verdadeiro coquetel de fantasia e aventura que viria a contribuir definitivamente com a minha própria literatura. Contudo não me despertava altas expectativas com relação a uma leitura bem feita e destinada a um leitor mais exigente, como me tornei. Com argumentos prós e contras, um certo instinto fantástico que trago dentro de mim falou mais alto e decidi por comprar o livro e foi aí mesmo que acertei. World of Warcraft - Marés da Guerra é diversão pura, livro delicioso que veio estilhaçando minhas expectativas anteriormente mornas para cima do ponto de ebulição!

Há de se fazer uma recapitulação da relação que tenho com o jogo, para que você não seja pego de calças curtas. Que fique bem claro: eu sou um fã! Desde a primeira vez que joguei Warcraft no computador virei um. Warcraft é um game que deu origem a uma imensa franquia, desenvolvido pela Blizzard Entertainment, originário de 1994, e desde essa época novas versões e expansões pipocaram a todo momento, até originarem o RPG Online mais famoso e bem sucedido de todos os tempos: World of Warcraft, com mais de 3,5 milhões de usuários ativos em todo o planeta.

O game se passa no mundo de alta fantasia intitulado Azeroth, onde duas facções lutam incansavelmente, uma contra a outra, pela hegemonia do planeta. De um lado a Horda, basicamente representada pelos orcs, goblins, trolls e outras raças do “mal”; pelo lado do “bem” temos os humanos, os elfos noturnos, os gnomos e toda uma outra quantidade de seres fantásticos correlatos à mitologia desenvolvida certa vez por J. R. R. Tolkien.

Esse maniqueísmo ingênuo, a primeira vista, é o cerne de todo livro de aventuras destinado a crianças e adolescentes. Afinal por que tentar dificultar se dá para entregar tudo de mão beijada, deixando bem claro quem é o cara mau e quem é o mocinho e, dessa forma, deixando tudo bem óbvio quanto a quem vai ganhar no final? A resposta é fácil: porque uma literatura que é essencialmente comercial não é escrita com profundidade e nem tem autores com talento suficiente para engendrarem grandes dramas. Acontece que, nesse livro, o personagem “do bem” que acaba se tornando “do mal”, devido às circunstâncias, é exatamente o mote. Por esse pequeno detalhe, teríamos então que retirar este livro de Christie Golden do rol de obras caça-níqueis, de reputação tão discutível.

World of Warcraft: Marés da Guerra é altamente dramático! Muito bem escrito, personagens cativantes e trama bem engendrada. Forte, substancial, denso... Relata a exegese de Jaina Proudmore uma maga muito poderosa, serena e devota da paz entre os povos, que é envolvida numa trama recheada de discussões morais e psicológicas quanto a utilização de um grande poder, advindo de um artefato mágico, a Íris Focalizadora, roubada dos dragões azuis, para viabilizar um plano nefasto de aniquilar milhares de pessoas. Não conto mais para não estragar a surpresa, mas só para se ter uma ideia, a Grã Senhora Jaina Proudmore, começa o livro com uma espécie de Madre Tereza de Calcutá, arauta da paz e do entendimento entre os lados antagonistas e acaba como uma criatura vingativa cujo único objetivo é trucidar a Horda até o último orc vivo ser extirpado de Azeroth e, depois, encontrar enfim seu equilíbrio.

Kalegcos é o dragão azul que é incumbido de localizar e reaver o artefato. Acaba por se apaixonar platonicamente pela Grã-senhora Jaina e seu amor é retribuído da mesma forma. Jaina ainda se lembra de seus outros amores, que acabaram se transformando em monstros ante seus olhos. A dúvida e o receio em se entregar a Kalegcos vem ao mesmo tempo que as mudanças que assolam sua alma após a Íris ser utilizada contra a Aliança e seus efeitos arcanos maléficos terem-na modificado até o último fio de cabelo (e não poderia estar sendo mais literal).

Há de se fazer uma ressalva; como o próprio dragão azul observa no início do livro, não poderia haver ninguém na face de Azeroth com poder suficiente para roubar o Íris, já que ela era guardada por uma escolta de cinco dos mais poderosos dragões azuis, enquanto era levada para um esconderijo. Como foi que os ladrões conseguiram roubá-la? Quem foi exatamente (embora saibamos na mão de quem foi parar)? O que fizeram para derrotar a escolta, virtualmente invencível? A autora parece ter se esquecido de explicar esse momento do início do livro que dominou bem umas cem páginas da história.

Embora com esse deslize grave, e erros de revisão que acompanham toda a narrativa e que o pessoal da editora não pegou, é inegável que Christie Golden escreve muito bem. É autora de outros 35 romances do gênero fantasia e ficção científica e embasa sua história com muita coesão, sempre com um pé firme no argumento do jogo, cheio de intrigas fantásticas, magia e um pano de fundo vastíssimo que, paradoxalmente, se torna um dos pontos fracos do livro. Embora este seja o primeiro lançado pela Record, no Brasil, é o 11º da série nos EUA, já visitada por vários outros autores, inclusive. Devido ao fato de haver toneladas de acontecimentos anteriores, terras, povos, personagens e lendas vindos das versões e das expansões de jogo, que remontam ao primeiro Warcraft – Orcs & Humans, de 1994, a autora tem que, a todo momento, rememorar o leitor sobre as ligações, consequências, episódios e personagens, invocando acontecimentos muito fora do âmbito atual, indo buscar referências mesmo em outros livros da franquia Warcraft. Isso atrapalha bastante a fluência da história. Faz com que a narrativa seja retardada para que várias situações sejam explicadas aqui e ali, já que foco de um evento anterior, em outro lugar, e sempre ficamos com aquela sensação de ter pegado o bonde andando. Para os familiarizados com o jogo, contudo, quanto mais nerd e fã de carteirinha, menos essas interrupções serão desconfortáveis.

Depois de terminado o livro, o fã fica com aquela imensa vontade de ler os próximos. E não sei muito bem quais são os planos da Galera Record, mas sei que um outro livro de Golden, cronologicamente anterior a esse na série, já foi lançado: World of Warcraft: Ruptura, um livro que apresenta fatos que introduzem a fase conhecida como Cataclisma, muito importante para o que foi narrado em Marés da Guerra, e um terceiro: Sombras da Horda, escrito por Michael Stackpole, já com alusão a última expansão do RPG Online, Pandaria, e portanto o mais atual lá fora. A única explicação que tenho para isso, é que é uma estratégia mercadológica da própria Blizzard, no mercado brasileiro, em consonância com a editora, ditando o que deve ser publicado seguindo seus interesses em divulgação de World of Warcraft no Brasil. Isso tira um bocado da seriedade da literatura apresentada sob o logo World of Warcraft, na minha opinião. Ficamos então com uma série ditada pelos interesses de uma multinacional americana de jogos de computador, num livro voltado para um nicho, formado basicamente pelos jogadores e ex-jogadores da série. Para esses: recomendadíssimo!

ALBARUS ANDREOS

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