Guerreiros de Roma: Fogo no Leste - Harry Sidebottom



Andei lendo algumas resenhas deste livro enquanto não o terminava. De maneira geral, elas consideravam Guerreiros de Roma: Fogo no Leste (Record, 462 páginas, R$ 59,90), do inglês Harry Sidebottom, um livro entre regular e bom, o que achei absurdo. O livro de Sidebottom, na minha opinião, não pode ter outra classificação abaixo de bom, na verdade, está entre Muito bom e Excelente!

Alguns argumentos diziam “o livro demora a engrenar”, ou “o livro começa mesmo depois da metade quando começa a batalha”. Não sei o que essas pessoas pensam, mas esse livro não é escrito por Bernard Cornwell, “mestre de todas as batalhas”. Cornwell é tão bom em descrever batalhas que parece ter se tornado referência literária e é usado como comparação em livros de ficção histórica com foco em guerras. O erro está exatamente aí. Embora Guerreiros de Roma – Fogo no Leste se enquadre nessa categoria de ficção histórica, o foco não está nas batalhas, mas no que as precede, antes da primeira flecha cortar o ar.

O livro descreve inicialmente a viagem do general Balista, alto e forte, afável mas sério; um bárbaro do norte cooptado pelo império romano no terceiro século após o cristianismo. Nessa época Roma começava a se esfacelar e perder seu viço milenar e era comum que cidadãos romanos nascidos além das fronteiras da civitas, como os germânicos, considerados bárbaros, galgassem altos cargos na hierarquia militar. Nesse contexto, o general Balista, é nomeado Dux Ripae e enviado em missão ao extremo oriente do império, à região da Mesopotâmia, às margens do rio Eufrates na cidade fictícia de Arete. Balista é reconhecido pelo sua habilidade com armas de cerco e tem que realizar a missão praticamente impossível de organizar suas defesas contra uma iminente invasão por parte dos persas sassânidas (que seriam os atuais iranianos).

O livro narra, na sua primeira parte, exatamente esse trabalho exaustivo de organizar essas defesas. Após solicitar reforços e não receber, Balista, com a ajuda de pouquíssimos oficiais de confiança, tem que se virar para treinar novos recrutas, disciplinar as pouquíssimas legiões locais, construir mais máquinas de artilharia, reforçar as muralhas, criar fossos e armadilhas, regrar o consumo de água e comida, limpar áreas inteiras da cidade que poderiam facilitar o acesso dos inimigos e até destruir totalmente um cemitério, cheio de necrópoles, chocando-se assim frontalmente com a fé local; deve ainda suplantar a resistência dos moradores que tem que sair de suas casas, uma vez que quarteirões inteiros tem que ser demolidos para abrir espaço para os deslocamentos das tropas internas. Balista deve criar laços com os guardadores de caravanas, ricos e poderosos que tem que ceder homens para o exército e ainda investigar e localizar traidores que podem pôr todos os esforços a perder. Todo esse processo é cheio de detalhes e cada ato resulta em insatisfação por parte de algum grupo. A história basicamente mostra a dificuldade de Balista em manter-se firme no comando, assegurar sua autoridade e convencer, pela razão ou pela força, que os sacrifícios todos são a única solução para que a cidade sobrevida.

E apesar de tudo... Balista realmente não sabe se conseguirá cumprir sua missão com êxito. Vemos então sua aflição em enfrentar a resistência dos diversos grupos que querem defender seus lares, negócios e religiões, mas são renitentes em cumprir cada um sua parte do sacrifício. Nada é fácil e Balista sente saudades de sua esposa e filho. A sua disciplina de bárbaro e oficial romano são as únicas coisas que o mantém fiel à sua obrigação. Se ele falhar, se suas providências se mostrarem insuficientes, a cidade cairá, as muralhas serão suplantadas, os portões derrubados, as casas incendiadas, as mulheres estupradas e as crianças e homens passados a fio de espada, sem exceção. 40.000 vidas dependem dele! Haja responsabilidade.

O livro é narrado em terceira pessoa, os personagens são bem construídos, as situações narrativas bem engendradas e não ficam pontas soltas. A cada passagem, o autor utiliza palavras em latim no contexto, grafando-as em itálico, e as traduz entre vírgulas, de forma bem suave para o leitor se ambientar mas não irritar-se com informações demais. Há uma explanação dos aspectos psicológicos do general Balista, seus fantasmas e anseios, seus conflitos entre cumprir sua missão, apesar das dificuldades, e sua preparação militar e estratégica que dizem que ele é capaz, e ainda a tentação sexual que uma bela cidadã, filha de um dos guardadores de caravanas, lhe inspira. Balista é supersticioso, como um bom bárbaro do norte, e crê que seu sucesso militar está em não faltar com seus votos de fidelidade à esposa. Tudo joga contra ele. Balista precisa tanto que tudo funcione que despreza até as próprias fobias, sempre preocupado em não demonstrar suas fraquezas aos subordinados. A pressão sobre ele é monstruosa.

Na segunda parte, quando os persas enfim chegam e o cerco começa, Balista tem que se meter em lutas de espada em missões vitais que não pode destinar a mais ninguém, tem que se enfiar em catacumbas escuras e úmidas, tem que fugir de emboscadas e mandar seus subordinados em missões suicidas. O bárbaro grita e urra, mantém seu pulso firme, é inicialmente zombado pela sua origem germânica e tudo isso começa a se reverter em aplauso e cumprimentos, quando as coisas começam a funcionar para ele. Arete vai resistindo. Dentro das muralhas, pouco mais de 2.000 soldados treinados e capazes; do outro lado, mais de 45.000 persas com seus elefantes de guerra, suas montarias com armaduras de aço e arcos precisos, suas balistas, manteletes e aríetes loucos para pôr abaixo as muralhas de Arete. Vemos então o jogo de tabuleiro que é uma guerra de cerco, as torres de assalto, as tropas tentando construir rampas de invasão, os mineiros tentando solapar os muros, tudo isso sob centenas de milhares de flechas cobrindo o céu, escadas apinhadas de homens escalando os muros e sendo recebidos por caldeirões de areia fervente cozinhando-os dentro das armaduras.

Balista tem que se deslocar pelo perímetro da muralha, dia e noite, parando para dormir quando dá, ainda há espiões do lado de dentro, há insubordinações e deserções dentre suas fileiras, as tentativas dos persas são impiedosas, os meses passam, Balista fica conhecendo as divisões dos exércitos inimigos sob a religião zoroastrista (anterior a muçulmana atual), os deuses e as particularidades de cada um dos povos sob a égide do rei dos reis persa, conhece seus comandantes pelas descrições que consegue com um escravo, vê as saídas e os percalços de cada manobra. Tudo isso sob as pedras atiradas pelas balistas, que caem nas cabeças das pessoas e os atentados dos espiões que ateiam fogo nos armazéns de alimentos e armas.

Ufa! A guerra em si é um jogo no livro de Sidebottom, diferentemente do que acontece nos livros de Cornwell com seus vikings ou nos de Iggulden com seus mongóis, recheadas de batalhas cara a cara, onde o cheiro do sangue e da urina domina os campos de batalha e a estratégia é suplantada pela selvageria. O general Balista é um grande jogador, mas a leitura do livro é obrigatória para que você descubra se ele se vai se sair bem ou não. 2.000 romanos podem deter 45.000 persas? Alea jacta est.

ALBARUS ANDREOS


PhotobucketRSS/Feed - Receba automaticamente todos os artigos deste blog. Clique aqui para assinar nosso feed. O serviço é totalmente gratuito.