As Crônicas de Gelo e Fogo: A Fúria dos Reis - George R. R. Martin

  

Resenha by Albarus Andreos 


Logo no início já me deixei afogar no mel fantástico da escrita de Martin. Sua literatura avassala o leitor de tão boa, suas frases são excelentes, seus personagens brilham e sua história caminha agora por um continente de Westeros dividido entre vários reis, após a morte de Robert Baratheon. Temos Robb Stark, rei no Norte, vindo de Winterfell furioso pela morte do pai pelos Lannister; Joffrey reina no centro, tutelado pela mãe, a rainha Cersei e sob o olhar atento do tio Tyrion, agora nomeado Mão do rei; Renly junta poder no sul, com o maior exército já reunido depois da derrocada dos Targaryen, os reis dragões, combinando os nobres de Jardim de Cima e de Dorne; Stannis o legítimo herdeiro de Robert queima de ódio e arma-se em Pedra do Dragão agora auxiliado pelos poderes maléficos do Senhor da Luz, na pessoa da mulher vermelha; e finalmente, os homens da Ilha de Ferro, sob as graças de Balon Greyjoy, empunham machados e lançam dracares nas águas geladas do norte, reavivando a insurreição que no passado levou o filho Theon ao exílio em Winterfell.

O narrador, mais do que nunca, deixa o papel de imparcial e fala abertamente com a boca de cada um dos seus personagens nos capítulos que são encabeçados por cada um deles. Dentre muitos, destacam-se os de Cathelyn Stark, que dá seu tom melancólico ao texto, cheia de dor e amargura pela morte do marido Ned e pelo sequestro das filhas Arya e Sansa pelos Lannister, o acidente do filho Bran e a campanha de Robb, comandando os exércitos do norte. Que mãe resistiria a isso? (resposta: Cat). Há novamente capítulos cheios de engenhosas armações para o anão Tyrion Lannister, com sua inteligência e perspicácia. Agora como Mão do rei-sobrinho Joffrey, tem de salvar a pele de sua facção com o mínimo de perdas possíveis e para isso não tem escrúpulos em passar a espada em uma, duas ou cem dúzias de seus próprios súditos. Há capítulos também para Bran, que começa a perceber que seu acidente o aproximou de seu lobo gigante a ponto de poder ver, ouvir e sentir o paladar da fera; Arya, que foge de Porto Real em direção à suposta segurança de sua casa, em Winterfell, e passa por perigos sangrentos em território deflagrado; Jon Snow ultrapassa a Muralha e vai em direção ao desconhecido com seus irmãos da Patrulha da Noite e há capítulos para Daenerys, do sangue do dragão, que na última parte do livro anterior nos atira de vez dentro da fantasia. Os capítulos de Sansa, continuam os piores.

Se Martin disse que sua saga pincelava de leve a magia, criando uma fantasia light, parece ter se esquecido disso neste segundo volume da série pois, se no primeiro volume a fantasia era vista mais como uma superstição ou uma possibilidade quase científica, (convenientemente contraditória com seus dragões, os Outros, os mortos-vivos na Muralha e a ressureição de Drogo), aqui somos atirados na fantasia até o nariz, para nossa felicidade, amantes da literatura fantástica! Temos os dragões de Daenerys, vindos do livro anterior e crescendo neste; a magia dos magos de lábios azuis, os Imortais que ela encontra no leste; temos os alquimistas de Porto Real criando fogovivo auxiliados por magia; temos a mulher vermelha e a sombra de Stannis derrubando reis (o ponto alto deste volume, junto com a batalha naval de Porto Real!), temos Bran metamorfoseando-se em sonhos e os irmãos Meera e Josen Reed, do Povo da Lama, e seus sonhos verdes, o misterioso assassino Jaqen H'ghar de Bravos, que ajuda Arya em Harrenhal e muito mais!

Neste volume, somos apresentados a novos personagens, que começam a desempenhar papeis importantes na trama. Dentre eles merecem destaque Davos Seaworth, o contrabandista, sagrado cavaleiro por Stannis Baratheon, conhecido como Cavaleiro das Cebolas, e a Mulher Vermelha, Mellisandre, uma sacerdotisa do Senhor da Luz, a nova religião que ameaça com sombras (literalmente) o domínio dos Sete (os deuses cultuados em Westeros, que substituíram a fé nos deuses antigos, que ainda tem lá seus adoradores, principalmente no norte, em Winterfell).

SPOILER: De tudo que li neste livro, até aqui, uma coisa merece todo o destaque: "uma menina" a doninha, que consegue engendrar na mais dramática das ações, a tomada da maior fortaleza de toda Westeros!!! MUITO BOM!!! Vai me desculpar, mas dá uma inveja monstruosa desse Martin. Vai escrever assim lá longe!!!

Confesso que A Guerra dos Tronos me agradou um pouco mais que este A Fúria dos Reis (Leya, 656 páginas, R$ 49,90). É que começamos com um arco aberto no primeiro livro e o fechamos aqui, em grande parte. Tive aquela sensação de continuação, de parte do meio, onde o piano tem que ser carregado, após uma grande introdução e antes de um final fantástico. No primeiro livro perdemos Eddard Stark e Robert Baratheon, mas aqui, em A Fúria, perdemos Winterfell. Se no primeiro livro tivemos a violência das mortes, neste, além da sanguinolência genial de Martin, perdemos a "nossa casa" e não temos nem para onde voltar. É esta a sesação. Quando ainda temos uma casa para onde retornar, fica a esperança de que, no regresso, mesmo que leve muito tempo, as cicatrizes ainda vão sarar, mas não. Winterfell caiu... As feridas ainda vão continuar sangrando!

É interessante o que Martin faz com Tyrion. Como em todo texto de fantasia, temos anões, mas o anão de Martin não é um ser mágico, vindo de uma raça à parte, este anão é como o anão de Sir Walter Scott, Wamba, o bobo-da-corte, que dentre inúmeros personagens, parece ser sempre o mais sóbrio. Mas Tyriom também é original, por ser até sanguinário em algumas ocasiões, sempre com seu moral próprio que visa, em última instância, reaver a paz para os Sete Reinos. Em seu íntimo parece querer mostrar ao pai que embora não tenha a aparência explêndida de seus irmãos, é brilhante e tem suas qualidades. A família Lannister é unida, dentro do possível e de forma até doentia, mas neste livro a coesão familiar parece estar chegando a um extremo. Tyrion se opõe abertamente à irmã, Cersei, e isso parece levar seu relacionamento a um limite mortal.

Mas me parece que Geroge Martin força um pouco a condição de Tyrion. Sim, é inteligente, mas parece que tudo sempre dá certo para ele. Cada plano e maquinação sorrateira parece sempre funcionar e, de um cara safo, esperto e liso, assume ares de grande cavaleiro e sai para a área de torneios durante a batalha, brandindo seu machado (como todo bom anão) e com o grito de Lannister nos lábios... Ficou meio forçado. Parece-me que tentar salvar a própria pele e dos seus, seria mais coerente com sua biografia mesmo que isso fosse inspirado pelo amor por Shae ou ainda pelo eventual compromisso familiar com a própria Cersei e o rei Joffrey. Não, Tyrion não era um covarde! Mas decididamente não era um homem corajoso também, mais afeito à política e à intriga de bastidores do que ao aço. Sua arma natural é a lábia, não a lâmina.

De novo, a editora Leya, despreza a opinião dos leitores quanto ao português de Portugal empregado no livro, sem dar a mínima para a opinião dos brasileiros que reclamam de uma adaptação melhor. Isso leva a uma dúzia de passagens com construções muito esquisitas ao brasileiro. Para os lusitanos podem ser normais mas para mim foram, pelo menos em duas oportunidades, absolutamente incompreensíveis, não importando se lesse quatro, cinco vezes o mesmo parágrafo, para tentar achar o sentido da coisa. Mas isso não tira absolutamente o brilho do todo.

E é então, com a alma apertada, que finalizei este mastodôntico compêndio de deleite literário. Ainda sinto o corpo alquebrado pela caminhada infinita pelo deserto vermelho, onde os sábios do leste dão tudo para ver dragões. Ainda sinto o cheiro do sangue e dos cadáveres em putrefação na baía de Porto Real; ainda vejo os rostos das cabecinhas decaptadas de crianças sobre os espigões de Winterfell, Ainda sinto o terror no coração por ter uma águia voando no céu azul, vigiando cada movimento meu além da Muralha. Ainda sinto... ainda sinto uma dorzinha no pulso e no cotovelo devido ao peso deste livrão (e o terceiro é mais grosso ainda)!

As Crônicas de Gelo e Fogo:

1. A Guerra dos Tronos
2. A Fúria dos Reis
3. A Tormenta de Espadas
4. O Festim dos Corvos
5. A Dance with Dragons
6. The Winds of Winter


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