A Caçada dos Elfos - Bernhard Hennen



A principal razão de eu ter demorado tanto para ler esse livro foi a capa. Embora muito bonita e bem feita, em todo o universo da literatura de fantasia, não há maior cliché que uma espada enfiada numa pedra. Remete lá aos idos, quando Artur cumpriu seu rito e se tornou rei de toda a Inglaterra. Outra razão é o título: A Caçada dos Elfos (Editora Europa, 2012), que me parece óbvio demais. Até apelativo, tendo-se em vista os fãs de RPG e literatura de consumo, fáceis de agradar. E, por desdenhar mais uma vez da máxima de que não se deve julgar um livro pela capa, foi que eu demorei tanto para me maravilhar com uma das melhores histórias épicas que já li na vida. A Caçada dos Elfos torna-se portanto um novo grande livro, dentre os poucos que esse resenhista elegeu, como favoritos de todos os tempos.

E pode conferir, pelas minhas outras resenhas nesse blog, que nem Patrick Rothfuss, George R. R. Martin, Glen Cook ou Joe Abercrombie foram imunes a minha acidez, em algum momento. Sou um leitor muito exigente e também escritor de literatura fantástica, mas a escrita de Bernhard Hennen bateu tão perfeitamente com meu próprio gosto que sou obrigado a admitir que gostaria de ser o autor do livro (inveja pura). Nesse momento mesmo, em que digito essa resenha, o alemão Bernhard Hennen pode se considerar um dos meus escritores favoritos e o seu A Caçada dos Elfos leva a nota máxima, em todos os quesitos. Meu coração não para de bater forte por conta disso.

Personagens perfeitamente caracterizados, redondos e cativantes, escrita muito bem balanceada, com total controle de ritmo; ponderação entre o peso e a leveza das frases, sejam curtas ou longas, não importa o tamanho, sabendo aplicar cada uma delas para provocar o efeito desejado e sempre com sucesso; um enredo de aventura muito bem pensado, com momentos de suspense, humor e mesmo erotismo. Ótima história! Magia bem dosada com realidade, conhecimento de mundo para saber do que está falando e quando aplicá-lo sem ser enciclopédico. Metáforas bem pensadas, emoção genuína e, como não admitir, amor pela escrita que destila como se fiasse seda ou fabricasse violinos.

Caramba, estou babando um ovo violento aqui, não estou não? Será que estou sensibilizado, devido a contínua e duradoura safra de livros que me decepcionaram? Afinal, posso citar quatro, em sequência: primeiro foi Roubo de Espadas (Editora Record, 2013), de Michael J. Sullivan, que deixou a desejar; depois, o primeiro livro de Brandon Sanderson no Brasil, Elantris (Editora Leya, 2012), uma bosta; sendo seguidos por A Dança dos Dragões (Editora Leya, 2012), do mestre George R. R. Martin, que naquele momento me parecia um porto seguro, o que infelizmente não foi; e então Mago – Aprendiz (Saída de Emergência Brasil, 2013), o livro de estreia da editora por aqui, e não me empolgou em nada. Mas A Caçada dos Elfos é tudo o que eu gostaria de ler em matéria de fantasia, e muito mais, o que me deixa super satisfeito.

Logo na página de créditos vi que o Publisher e Editor do livro é ninguém menos que Aydano Roriz, um autor histórico absolutamente fantástico, de quem já li O Desejado (Ediouro, 2002), uma deliciosa, leve e engraçada história da família real portuguesa, mostrando sua formação e afirmação nas cortes europeias, e de seu mais que real Dom Sebastião, que se tornou heroi, mito e mesmo messias em Portugal, e até no Brasil colonial. Esse livro, principalmente, pode ser um dos culpados pela minha paixão pelo medieval dentro da literatura. Se alguém ainda não sabe, Portugal teve um extenso passado medieval, e daí vêm as raízes para o medievalismo brasileiro, presente em nossas celebrações folclóricas como a folia de reis, as festas juninas, o maracatu e a estética armorial dos textos de Ariano Suassuna.

A Caçada dos Elfos começa com Mandred, um jarl nórdico (uma espécie de soberano local ou líder de guerreiros, forte e experiente) de uma cidadezinha localizada dentre os fiordes gelados. Ele está buscando, junto com seu grupo de guerreiros, em cotas de malha e couro fervido, um predador que está devastando suas terras. Demora pouco para se defrontar com o que é nada menos que um devanthar, um demônio ancestral, inimigo das criaturas conhecidas como albos, ancestrais dos elfos. Mandred, ao contrário do que se poderia julgar a princípio, sendo um bárbaro poderoso e destemido, sofre uma derrota esmagadora.

Hennen descola sua obra do lugar comum exatamente por nos pregar peças como essa. Ele cria caminhos que nós, imediatamente, achamos desembocar num lugar, para em seguida nos mostrar como estávamos enganados. Faz isso muito bem, sem exageros ou truques, usando somente sua habilidade de escritor em manipular nosso conhecimento prévio contra nós mesmos. E descola também os elfos, que a seguir entram na história para ajudar Mandred, em sua caçada contra o devanthar, por lhes dar uma personalidade ligeiramente diferente das dos elfos com os quais já estamos acostumados.

Se você leu (ou assistiu) O Senhor dos Aneis, sabe como os elfos são. Elegantes, habilidosos com o arco e as espadas, belos e sábios. Donos de um visual todo próprio. Contudo, Hennen salienta outra característica pouco explorada, mesmo por Tolkien, em seus livros: a frieza dos elfos. Quando encontramos a rainha Emerelle, vemos como a soberana, além do amor e dedicação que tem para com seu povo, é fria e calculista. Para aceitar que seus elfos viajem ao mundo de Mandred, para sanar o problema que os humanos evidentemente são incapazes de solucionar, cobra um alto preço do jarl. Lembrou-me aqueles contos dos Irmãos Grimm, com homenzinhos sórdidos e sinas crueis. O livro é quase uma mistura equilibrada de clássicos infantis com mitologias nórdicas, como Rumpelstintskin e Beowulf.

Há de se salientar o relacionamento dos ótimos personagens, os elfos Farodin e Nuramon, com a bruxa élfica Noroelle. Sou muito impaciente com namoricos na literatura. Nada contra se estiverem inseridos no contexto da história, e não como objetivo dela. Acho uma “encheção de linguiça” de viés absolutamente comercial, feita com o único objetivo de atrair o público feminino mais carente para as livrarias. Contudo, o amor dos dois elfos pela feiticeira é apenas um foco narrativo dentre os tantos que a obra possui, e com uma razão perfeitamente relacionada aos fatos posteriormente narrados, além de desvendar os passados dos personagens. A passagem do terraço sobre o pomar, onde Nuramon conversa com a amada, utilizando-se da fala das árvores, é simplesmente linda. É por esse amor que a história vai girar em determinado momento, ligando o próprio devanthar ao restante da trama. A poesia com que Hennen narra esses momentos entre os três elfos é deslumbrante e me cativou demais (!). Leia o livro se quiser saber como é esse “amor a três”, porque eu é que não vou contar.

Há centauros, faunos, magias e sortilégios presentes a cada página, mas também há bravura, desprendimento, intriga, paixão e misticismo. Poucos livros de fantasia podem se dar ao luxo de serem tão “literários”, na acepção da palavra. Alguns fatos são deixados de propósito para os dois próximos livros. Sim, é uma trilogia, mas como tem gente que torce o nariz só de ouvir falar nesse termo, preferi fazer toda a propaganda antes e só falar disso aqui, no final. Além disso, há uns poucos e inócuos probleminhas de revisão, não gramatical, mas de melhor adequação das frases ou na ordem delas, que tornam o entendimento um dedinho mais difícil, em algumas pouquíssimas páginas. Coisa pouca em se tratando do trabalho de edição que estamos acostumados a ver por aí, com as grandes editoras. Ao contrário do que costuma ocorrer comigo, esses probleminhas me passaram quase despercebidos. Normalmente costumo me irritar com eles e passar a caçá-los, o que costuma prejudicar minha imersão no texto.

Recomendo veementemente, caros leitores. Foi um livro que li em voz alta, com meu filho Pietro deitado na cama, comigo. O problema é que depois de ler um longo capítulo, eu olhava e ele ainda estava acordado. É compreensível. Não espere ter sono ao ler A Caçada dos Elfos, caro leitor. Você vai ter que ler outro capítulo, e outro e outro... Ah! Não se esqueça das pastilhas de menta se quiser ler em voz alta para seu filho. Você vai precisar!
















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