Cidade dos Ossos - Cassandra Clare



Sempre espero o máximo de um livro quando vou lê-lo. Essa é uma regra que tenho para poder encarar uma obra literária. Significa basicamente que se não tiver muito o que esperar de um livro, não leio. Afinal, existe um universo monstruoso de centenas de milhares de obras literárias pelo mundo afora, e mesmo que pudesse ler um  livro por semana (meta muito mais ambiciosa que o possível, para mim), considerando que viverei, talvez, até uns oitenta anos, poderia ler pouco menos que mil e novecentos livros! É muito, mas muito pouco se comparado ao que nunca chegarei a conhecer. Portanto, não sou um daqueles propalados leitores "até de bula de remédio", como alguns se confessam (sem esconder um certo orgulho). Isso significa, para resumir, que sou seletivo! Em outras palavras: não leio qualquer porcaria, mas se por acaso for pego desprevenido, não consigo deixar de espalhar aos quatro ventos porquê "perdi meu tempo".

Antes de encarar um obra, tenho que ter atração por ela, tenho que ter vontade de lê-la, tenho que ser compelido por comentários positivos de outros leitores ou resenhas. Entretanto, como leitura para mim é diversão, acima de tudo, é bom dar uma relaxada às vezes, deixando-me seduzir apenas pelo simples e curioso encanto de uma capa, um comentário leve, uma boa diagramação ou um título chamativo. Cidade dos Ossos passou nesta fase, me convenci que valeria a pena dedicar-me a obra em detrimento de outras mais, que esperam na fila o momento de serem lidas.

As pessoas costumam contar umas para as outras quando gostam de um restaurante, de um novo xampu ou de um livro. Mas, por experiência sei que elas também dizem que gostam de um livro, para se sentirem "na moda"; elogiam por quererem se sentir simpáticas com outras pessoas que apreciam o gênero; dizem "amei!" para quererem se enquadrar na patota que leu e aprovou (como ter uma opinião desigual da turma? Ter opinião própria? Isso pode fazer de você uma pessoa desconfortavelmente "diferente" para os outros...). Alguns dizem gostar para simplesmente se mostrar, já que dizer que apreciar um livro trás implícita a mensagem "Eu sou o bom! Eu leio livros". Seja por teimosia dos leitores, seja realmente uma opinião sincera ou mesmo simples falta de oportunidade de ainda não terem passado os olhos em boas obras literárias que realmente mereçam o adjetivo, muitos milhões de Cidade dos Ossos foram vendidos.

"Opa! Calma lá, não venha me dizer que você não gostou de Cidade dos Ossos! Esse livro é tudo de bom, e Jace é um fofo!"

Olha, me desculpem, estou falando de um livro e não dá para discutir com fãs. Fã não gosta de um livro exatamente pelo história, pelo enredo bem armado, pela trama bem construída, pelos personagens bem desenvolvidos ou pelo estilo absolutamente edificante de um autor. Fã normalmente gosta de um livro porque é FÃ, porque se liga emocionalmente com aquilo, porque se coloca no lugar do personagem, porque quem escreve gostava de Harry Potter também e acabou! Tão irracionalmente como se ama sem poder se explicar o que é o amor. Cá para nós, eu não sou FÃ, sou é um cético terrível e não amo gente inexistente. Gosto é de me divertir quando leio e gosto de boa literatura (e não estou falando de Proust ou Oscar Wilde. Sou muito mais modesto). Para mim importa os R$39,00 que gastei, ou mesmo os "R$29,00 sem o frete", porque foi uma promoção maluca que vi no Submarino, ou mesmo se é de graça porque o autor achou por bem mandá-lo para mim (porque o autor, coitado, brasileiro e iniciante, está sedento que falem de sua obra e ele come até caco de vidro contanto que alguém escreva algo de bom de seu livro). Gente, não é porque é barato ou é de graça (ou é porque todo mundo fala bem) que eu vou falar bem de um livro. Como não costumo parar uma leitura no meio, se li um livro é um livro a menos do meu universo próprio de mil e novecentos livros que passou para mil oitocentos e noventa e nove e isso não pode ser recuperado. Se foi uma leitura ruim, perdi irremediavelmente meu tempo!

Cidade dos Ossos é um livro infanto-juvenil, como está expressamente escrito no site da Editora Record. E mais que isso, é literatura YA, portanto vai haver uma mocinha que se apaixona por um "menino" (menino??!! Simplesmente não consigo usar esta palavra. Ela não é sinônimo de "cara desajustado e bad boy", como vemos no livro. Sempre que via Cassandra Clare (ou, pedindo já desculpas, a maldita tradutora!! Se for esse o caso, pois não li a edição em inglês para comparar) usando a palavra "menino", para se referir aos caras do livro, isso me embrulhava o estômago e eu me perguntava se a autora/ tradutora tem treze anos ou é mesmo retardada); vamos ter páginas e páginas sobre moda e fofoquinhas, e ela vai falar, a cada meia dúzia de páginas, da boca dele, dos cabelos dele, dos bíceps dele e, algumas vezes, da camiseta molhada se grudando ao tórax definido dele. Desculpe... Isso é gay demais! Mas... Tenho que analisá-lo para o que foi proposto, sob a ótica de produto destinado a determinada faixa etária (e, confesso, não sou muito bom nesse tipo de abstração, mas enfim...) e só aí posso dizer que Cidade dos Ossos é um bom livro! Bom na escala de ser acima da média, mas não ótimo e longe de ser excelente!

Um livro destinado à adolescentes e se você é uma adolescente, FÃ de Crepúsculo e da série Fallen, temos aqui um ótimo livro de fantasia YA: há o "cara lindo", há meninas bonitas e magras vestindo-se com roupas legais, há diálogos fáceis que se apoiam nas perguntinhas sempre convenientes de Clary que vão dando oportunidade para os outros personagens irem contando a história para você ela (tem autor que não consegue fazer a história ser contada pela própria história e tem que apelar para este artifício. Simples e normal inexperiência!), há um mistério qualquer sobre as origens de seres ocultos/ anjos/ vampiros etc. Novamente, a exaustiva fórmula "escola/ internato" (aqui um santuário/ refúgio de Caçadores de Sombras) + "adolescente com problemas" + "garoto bad boy lindo que tem o pé no outro mundo", é novamente utilizada.

Sintetizando meu conceito por este livro, gostaria de lembrar uma passagem em que Clary, Jace, e os coadjuvantes ao redor deles (eles são Caçadores de Sombras; tipo guerreiros treinados nas artes da luta e nas armas capazes de destruir demônios e afins), vão a um restaurante no centro de Nova Iorque, que Jace acha ser o melhor da cidade, e na porta há um Ifrite como porteiro. Mais adiante o Ifrite é descrito como um feiticeiro que não pode fazer magia de jeito nenhum (???). Não é por nada, mas será que na versão original em inglês está escrito isso mesmo? Pergunto porque isso faz tanto sentido quanto uma Gillete que não faz barba de jeito nenhum ou um orégano que não serve para pôr numa pizza de jeito nenhum... Há um flerte entre Jace e a garçonete de olhos totalmente azuis que é um troço qualquer de outro mundo também e a passagem é tão mal descrita que não dá para saber porque está ali, a não ser para tentar dizer que Jace não é gay (reforçando que Alec é).

Só acho que a autora poderia se esmerar mais em dar personalidade aos personagens, já que todos pensam e falam igual; de um adolescente mal situado na vida a Magnus Bane, feiticeiro acometido de cacoetes "esquisitos". Tudo é muito estereotipado, moderninho e convencional. As situações a que o enredo nos levam são muito triviais. A autora cria boas imagens e não é má como frasista, espirituosa até. Mas há passagens que parecem muito resumidas e quase ininteligíveis (acredito novamente que seja por problemas de tradução/ revisão). O livro flui demais, sem regatear com o leitor ou cobrar um pouco de sua inteligência (é muito fácil), sem entraves ou dificuldades para darem certo ou errado, sem sub-enredos ou percalços. Não cobra atenção. A autora não se aprofunda em assuntos do livro, mostrando não saber muito sobre o mundo que conta, seja armas, motos, gente... excluindo-se Nova Iorque, que ela não cansa de descrever. Um livro para ser lido meio dormindo e mesmo assim ser entendido (e em muitas passagens dá sono mesmo!).

A fantasia do livro é muito boa! Gasta-se algum tempo elucidando-se o passado que trouxe a este presente de Clary e Jace. O Mundo das Sombras, composto por vampiros, lobisomens, fadas, duendes, zumbis etc., foi outrora combatido pelos nephilins (não os anjos caídos do antigo testamento. Aqui, em Cidade dos Ossos, são os descendentes dos anjos de outrora) mas chegou-se num ponto em que acordos estavam sendo feitos para terminar esta guerra infinita e um Caçador de Sombras fodão chamado Valentin, decidiu que isso não devia acontecer (Valentin é meio que pintado como um homicida egocêntrico e fanático, cheio de sentimentos conservadores, pregando a pureza das espécies. Quer usar um cálice mágico para criar novos Caçadores, que seriam usados para formar um exército sob suas ordens). Valentin sabota os acordos de paz, por entender que a guerra é "purificadora" da raça (tipo a raça ariana  da filosofia alemã nazista etc.) e os Acordos  vão por água a baixo. A autora cria coisas e acontecimentos com nomes legais e estimulantes, como a Clave, a Ascensão, os Instrumentos Mortais, os próprios Caçadores de Sombras, mas não engrossa o caldo (são subutilizados na trama) e os nomes ficam meio chochos, como um chiuáua batizado de Apocalipse.

Na história, a mãe apagou as antigas recordações de Clary sobre um passado que ela decide recuperar (e a explicação é óbvia de doer). Ela começa a enxergar coisas que os outros ao redor não podem; a mãe acaba por ser sequestrada e a moça tem que procurá-la (a explicação de que foi para se obter informações sobre o paradeiro do cálice mortal, a mim pareceu simplista demais). Vai então descobrindo pistas que a liga aos Caçadores. Cara! Isso poderia ser mais sério, escrito de maneira mais sinistra, mas a autora decidiu satisfazer a idade média de doze anos e não conseguiu elaborar dificultar mais a trama. O livro estraga a dramaticidade quando insere um humor quase infantil em alguns momentos. Como quando Jace coloca água-benta nos tanques das motos dos vampiros, que são movidos à "energia demoníaca" (argh!).  Simon é transformado em rato por beber um troço azul, na festa de Magnus e isso gera uma série de piadinhas e diálogos entre Jace, Isabelle e Alec que caberiam mais em um desenho do Pernalonga. Perdeu a mão, senhora Cassandra Clare! O óbvio permeia todo o enredo, o que diminui o leitor como ser pensante.

Mas, enfim... Clary parece estar começando a se apaixonar por Jace e ela se maquia e usa roupas sexys emprestadas por Isabelle para irem à festa e ele parece começar a se interessar por ela (daquele jeito de americano né, sem nem encostar a mão. Mas tem as olhadas de canto de olho, as fungadas no pescoço "sem querer", que arrepiam os pelinhos da nuca etc.).  Ao meu ver, para quem é FÃ de livros assim, nada mais importa.

Dá para sentir como isso é inverossímil? A menina está com a mãe sumida, sequestrada por demônios e fica embromando, de periquita molhada, paquerando o cara de olhos cor de mel? Ah... dá licença!

Da metade para frente, o enredo melhora muito! A história engrena, sentimos as dificuldades de Clary e nos envolvemos com ela. A autora decide escrever o que se propõe, pena que não se propõe muito, mas aquela bem-vinda situação em que não queremos largar o livro finalmente aparece. É como se a escritora amadurecesse com o desenvolvimento da narrativa e a progressão das páginas. Mas de forma geral, não explora direito os personagens, deixando de imbuir-lhes convencimento; não consegue abordar as situações de forma "real" (aquela parte logo no comecinho, quando Clary e Simon vão ao Clube Pandemônio e vêem um grupo de caras armados de facas prestes a matar outro cara, e decide entrar e peitar todo mundo, é de doer! Seja sincero (a), se fosse você, faria isso ou iria chamar a segurança do Clube?) e deixa boas oportunidades de enredo passarem. Tudo sugere que ainda teremos ótimos livros dela, mas Cidade dos Ossos ainda não está no topo de minha lista dos bons livros de fantasia.

E agora, FÃS, podem começar a gritaria! 

Série Instrumentos Mortais
1. Cidade dos Ossos
2. Cidade das Cinzas
3. Cidade de Vidro
4. City of Fallen Angels
5. City of Lost Souls

ALBARUS ANDREOS





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